“A beleza do cabelo natural revela-se num caleidoscópio de curvaturas”

A beleza do cabelo natural é uma expressão única de quem somos. Cada forma e curvatura contam uma história única e são um aspeto fundamental da nossa identidade. Segundo Camila Vilhena, responsável pelo The Curlies, os cabelos naturais têm uma ampla diversidade de caraterísticas que requerem conhecimento técnico especializado. A educação, a saúde capilar, o autoconhecimento e o empoderamento feminino continuam a ser a principal missão do seu projeto pioneiro.

De que forma o ‘Movimento do Cabelo Natural’ tem contribuído para o empoderamento feminino?

Ao educar as mulheres sobre como cuidar dos seus cabelos naturais, estamos a capacitá-las a abraçar a sua identidade e autoestima. Muitas mulheres com cabelos encaracolados ou crespos têm dificuldades em compreender e tratar dos seus cabelos de forma saudável. Ao fornecer orientações e apoio, capacitamos essas mulheres a assumirem o controlo da sua aparência e saúde capilar. Isso pode levar a uma maior autonomia e liberdade de escolha das mulheres em relação à sua aparência e identidade.

É verdade que muitas mulheres não conhecem o seu próprio cabelo?

Completamente. Muitas mulheres têm cabelos naturalmente ondulados ou encaracolados, mas por falta de orientação ou influência de padrões de beleza predominantes, podem considerar os seus cabelos como ‘desajeitados’ ou difíceis de lidar. A influência das normas sociais e dos media pode levar as mulheres a procurarem um ideal de beleza que não está alinhado com a sua identidade capilar natural. No entanto, não gostamos de adotar posições fundamentalistas. Se por exemplo uma mulher com cabelos naturais opta por alisar o cabelo por gosto pessoal, está tudo bem.

Essa educação começa desde cedo? Têm cada vez mais crianças no The Curlies?

Procuramos promover a educação e o entendimento sobre os cabelos naturais desde cedo. Desenvolvemos o projeto Little Curlies focado especificamente em crianças. Muitas vezes, convidamos as mães a participarem no processo de cuidado com o cabelo, para que possam compreender melhor. Em algumas situações, temos crianças com cabelos ondulados ou encaracolados e mães com cabelos lisos, o que evidencia esta necessidade de informação. Este projeto é fundamental para educar a sociedade.

Acredito firmemente que tudo começa na infância. O desenvolvimento da autoestima e do empoderamento inicia-se nesse período. Se uma criança ouve comentários negativos sobre o seu cabelo, pode interiorizar essas ideias. Muitas vezes, os pais não têm a intenção de prejudicar, mas sim falta de informação.

Compreender o potencial do nosso cabelo é crucial. E não é necessário que o cabelo fique perfeito o tempo todo. Na vida quotidiana enfrentamos condições climáticas, o cabelo pode frisar e está tudo bem. Passamos muito tempo a lutar contra a natureza e isso torna-nos infelizes.

O que é que diferencia a experiência do The Curlies?

Desde o momento da marcação, o cliente já é recebido com acolhimento e atenção. Muitas pessoas que nos procuram enviam antecipadamente fotos dos seus cabelos e, durante o primeiro contato, direcionamos o atendimento de acordo com as necessidades específicas de cada pessoa. Muitas vezes, constatamos que não é necessário um corte radical, mas sim tratamentos adequados para cuidar do cabelo em casa, por exemplo.

O acolhimento inicial é um dos pilares fundamentais da nossa abordagem, pois sabemos que ir ao salão de beleza pode despertar ansiedade em muitas mulheres. O The Curlies foi concebido com base na minha experiência, que foi marcada por desafios extremos com o meu próprio cabelo. Cada cliente pode trazer consigo experiências únicas. Podemos receber desde uma cliente que procura apenas experimentar algo novo até uma que traga traumas relacionados com o seu cabelo. Por isso, adotamos sempre uma abordagem empática e sensível, partindo do pressuposto de que cada situação é única.

Se percebermos que não conseguimos cortar o cabelo de uma pessoa, simplesmente não o fazemos. No The Curlies, defendemos a importância do consentimento e da liberdade, reconhecendo que o corpo é uma questão de autonomia e respeito mútuo.

A sua experiência na primeira pessoa foi importante para dar forma ao The Curlies?

Sim, sem dúvida. Desde cedo, comecei a alisar o meu cabelo, pois a minha mãe não tinha conhecimentos sobre como cuidar de cabelos naturais. Na década de 90, havia uma forte pressão social para alisar os cabelos e eu cresci a pensar que o meu cabelo natural era um defeito que eu tinha de corrigir. Sentia-me bastante desconfortável quando a raiz do meu cabelo começava a crescer. A transição capilar de um cabelo quimicamente alisado para o cabelo natural é um processo que vai além da aparência exterior, é uma jornada de autoconhecimento e aceitação. É necessário refletir sobre quem somos e o que realmente queremos para, no final do processo, decidirmos cortar o cabelo. Cada mulher enfrenta este momento de forma única. No meu caso, passei cerca de um ano e meio em transição. Quando finalmente decidi cortar, optei por um corte mais curto do que o atual, porque era essa a minha vontade. Não quis fazer brushing na raiz para olhar ao espelho e ver o cabelo natural, pois não tinha memória clara da minha curvatura capilar original, uma vez que o cabelo muda com as hormonas e eu tinha acabado de ser mãe. Foi uma surpresa. Assim que terminei, adorei. Tive o apoio da minha família durante todo o processo, embora tenha sido um momento de tensão. No dia seguinte, porém, ao acordar, senti alguma estranheza ao ver o meu cabelo natural. Foi uma semana difícil em que evitei sair de casa, coincidentemente durante a minha licença de maternidade. Fui incentivada pelo meu marido a aceitar e a habituar-me à minha nova imagem.

É, por isso, fundamental ouvir a história da pessoa?

Sim, absolutamente. Quando uma pessoa chega ao nosso salão, o profissional vai dedicar tempo para ouvir a história dela e compreender as suas necessidades e desejos. É importante perceber se a pessoa está pronta para cortar o cabelo ou se precisa de mais tempo para tomar essa decisão. O diálogo é essencial, pois o nosso objetivo é ajudar e não queremos que as pessoas saiam daqui ainda mais traumatizadas. Damos ênfase à escuta atenta e ao acolhimento emocional. O profissional vai ouvir a história da cliente e avaliar as condições do cabelo. Algumas clientes podem estar prontas apenas para um corte, mas se a saúde do cabelo não estiver adequada e a pessoa não estiver disposta a fazer tratamentos, orientamos sobre os cuidados em casa. Além disso, estamos a implementar, a partir do próximo mês, a criação de um PDF personalizado para orientar as pessoas sobre como lavar, hidratar e tratar os seus cabelos. Pretendemos desmistificar alguns conceitos errados.

Ainda persistem muitos mitos sobre a higienização do cabelo?

Exatamente. No nosso salão, contamos com duas terapeutas capilares, a Rebeca Sonally, aqui em Braga, e a Kelem Matte, no Porto. Durante muitos anos, eu mesma acreditava no mito de que devíamos evitar lavar o cabelo com frequência, mas aprendi com elas que isso não é verdade. O couro cabeludo é pele e assim como lavamos o rosto com produtos específicos, devemos higienizar o couro cabeludo conforme indicado pelo terapeuta capilar. Por exemplo, eu sempre pensei que tinha um couro cabeludo seco, mas ao realizar uma análise com as nossas terapeutas, descobri que era normal.

Então, a higienização do cabelo deve ser feita de acordo com as necessidades do couro cabeludo. Pode ser necessário lavar o cabelo duas ou três vezes por semana, ou até mesmo todos os dias, desde que seja utilizado o produto correto para o couro cabeludo e um tratamento adequado para os fios. É um mito pensar que cabelos naturais não devem ser lavados diariamente. O importante é seguir uma rotina de higienização que mantenha o equilíbrio entre o couro cabeludo e os fios, evitando danos.

É possível pintar um cabelo natural sem que fique com um aspeto seco?

Sim, é possível pintar o cabelo natural sem que ele fique com um aspeto seco, mas é necessário adotar alguns cuidados. Por exemplo, na minha última visita ao salão, optei por clarear um pouco o meu cabelo. A partir da minha experiência pessoal anterior, eu achava que nunca poderia fazer uma coloração no cabelo, mas experimentei fazer algumas madeixas e fiquei satisfeita com o resultado. Porém, é importante destacar que nem todas as técnicas de coloração são seguras e é fundamental que um especialista qualificado, que entenda da curvatura do cabelo, seja responsável pelo procedimento. Quanto mais claro se deseja que o cabelo fique, maior é o cuidado necessário, pois a descoloração pode exigir mais do cabelo. Durante o processo de coloração, é essencial usar produtos de tratamento adequados para evitar que o cabelo fique seco. A correta aplicação de produtos químicos, aliada a um tratamento capilar intensivo, é fundamental para manter a saúde e a beleza dos fios após a coloração.

Como saber qual o tipo de curvatura do meu cabelo?

Existem basicamente quatro tipos de curvaturas capilares. O tipo 1 refere-se aos cabelos lisos. No tipo 2, temos os cabelos ondulados, que podem ser classificados em 2A/B/C, dependendo da intensidade da ondulação. No tipo 3, encontramos os cabelos encaracolados, que podem variar de pouco encaracolado (3A) a muito encaracolado (3C). Já no tipo 4, temos os cabelos crespos, que vão desde um padrão mais fechado até ao 4C, caraterizado por uma curvatura em ziguezague. É importante compreender que nem sempre o cabelo se enquadra perfeitamente numa única categoria.

Por vezes, as pessoas tendem a adotar uma abordagem simplista ao escolherem produtos capilares, optando por os que se destinam ao seu tipo de curvatura específico. No entanto, é importante reconhecer que o cabelo não está limitado a utilizar apenas produtos direcionados para a sua curvatura específica. Cada cabelo é único e pode beneficiar de diferentes tipos de produtos, independentemente da categoria de curvatura em que se enquadra. O essencial é entender as necessidades individuais do cabelo e escolher os produtos adequados com base nesses requisitos.

É importante também saber o nível de porosidade?

Sim, é crucial. Mesmo que duas pessoas tenham o mesmo tipo de curvatura capilar, não significa necessariamente que devam usar os mesmos produtos. Por exemplo, duas pessoas com cabelo 3A podem precisar de produtos diferentes com base na porosidade dos seus fios. É importante reconhecer que a maioria das pessoas não possui apenas um tipo de curvatura capilar e entender a porosidade ajuda a personalizar ainda mais os cuidados com o cabelo.

Este autoconhecimento é fundamental?

Sem dúvida. Por exemplo, pode haver um produto destinado ao cabelo crespo, que teoricamente é mais rico e hidratante, ideal para cabelos naturalmente mais ressecados e porosos. No entanto, uma pessoa com cabelo tipo 3A também pode beneficiar desse produto, especialmente se tiver passado por processos de descoloração que a deixaram com maior porosidade. Além disso, a quantidade de produto utilizada também é crucial. Não é necessário usar uma grande quantidade de produtos e o segredo para uma finalização eficaz está na quantidade de água presente no cabelo no momento da aplicação do produto. Isso permite uma distribuição mais uniforme e uma melhor penetração do produto. Afinal, a hidratação do cabelo é essencialmente a absorção de água. Assim, podemos usar um produto destinado a um tipo de cabelo específico em outro, desde que a técnica de aplicação seja adequada. É importante entender que as tabelas de classificação capilar são úteis como ponto de referência, mas não devem ser consideradas como regras inflexíveis sobre o que fazer ou não com o cabelo.

O The Curlies direciona-se cada vez mais para uma vertente de saúde?

A minha formação inicial é em Medicina, especializei-me em Psiquiatria da Infância e da Adolescência. A capacidade de compreender para além das palavras é fundamental, e muitas vezes consigo identificar pontos de atenção apenas pela forma como a cliente se expressa, antes mesmo de iniciar a consulta.

A formação em Psiquiatria contribui significativamente para a gestão das pessoas, permitindo uma escuta ativa e atenta. Na Psiquiatria da Infância, aprendi a importância dos primeiros anos de vida na formação da identidade e do comportamento adulto. Muitos dos desafios emocionais que enfrentamos na vida adulta têm raízes na infância.

Por outro lado, uma das nossas áreas de diferenciação continua a ser a Terapia Capilar, onde os terapeutas encaminham os clientes para especialistas quando necessário, pois questões como queda de cabelo podem estar relacionadas com desequilíbrios hormonais ou outras condições de saúde. O couro cabeludo é uma extensão da pele e, mesmo sem patologias evidentes, o uso excessivo de produtos pode ter consequências. O cuidado adequado com o couro cabeludo, desde a escolha dos produtos até à técnica de massagem durante a lavagem, é essencial para manter a saúde capilar.

Além disso é importante perceber que as diferentes fases da vida, como a puberdade, gravidez, amamentação e menopausa, têm necessidades capilares específicas. Por exemplo, durante a amamentação, as necessidades capilares podem ser diferentes para cada mulher. É importante estarmos atentas a essas mudanças e compreender que a saúde do couro cabeludo é crucial para a beleza dos cabelos. Enquanto nos preocupamos com a aparência externa, não podemos negligenciar a saúde capilar, pois ela é a base para um cabelo bonito e radiante.

Qual tem sido o feedback das clientes?

O feedback tem sido muito positivo. Temos clientes que vêm de todos os pontos do país, porque procuram os serviços de especialistas. Acreditam na qualidade e nível de especialização que oferecemos.

O objetivo principal continua a ser auxiliar mais mulheres a descobrirem a sua verdadeira identidade capilar. Aquelas que já estão confortáveis com a sua identidade podem também melhorar a sua rotina de cuidados e saúde capilar.

Que dúvidas continuam a ser comuns no mundo dos cabelos naturais?

Uma das dúvidas mais frequentes é sobre a finalização do cabelo. Muitas pessoas questionam-se sobre que produtos utilizar, a sequência correta de aplicação, técnicas de secagem e se o uso de difusores pode estragar o cabelo. Outra questão comum diz respeito à frequência de lavagens do cabelo. Além disso, muitas pessoas têm dúvidas sobre coloração capilar, com o mito de que pode danificar os fios. A nossa missão passa por promover, cada vez mais, a literacia nesta área, porque acreditamos que pessoas informadas tomam melhores decisões.

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