Psicologia “Vivemos numa busca incessante por finais felizes numa sociedade que rejeita o sofrimento como parte da condição humana” By Revista Spot | Novembro 4, 2024 Novembro 5, 2024 Share Tweet Share Pin Email Num mundo em que a felicidade parece ser um objetivo constante e inalcançável, é essencial refletirmos sobre a forma como a sociedade influencia a nossa visão de felicidade e bem-estar. Será que a busca por uma felicidade idealizada nos afasta, paradoxalmente, de uma vida plena e autêntica? Israel Guimarães fala de uma ‘busca da (in)Felicidade’, enfatizando a forma como os mitos sociais em torno da felicidade podem gerar expectativas irreais, levando-nos a encarar o sofrimento como um desvio ou falha pessoal. “A positividade tóxica leva-nos, muitas vezes, a evitar emoções consideradas ‘negativas’, quando, na verdade, todas as emoções são válidas e é precisamente no limiar dessa vulnerabilidade que nos tornamos mais autênticos. Mais humanos”, salienta. A sociedade atual influencia a nossa perceção do que significa ser feliz? Desde tempos antigos, filósofos questionam qual é o verdadeiro propósito do ser humano. Se tudo tem um objetivo, cumpre uma função, então, qual é o nosso? Aristóteles afirmou que a felicidade era o objetivo final do ser humano e que seria alcançada por meio de ações virtuosas. Esta era a sua perspetiva. Porém, a visão contemporânea postulada pelas sociedades parece ser bem diferente. Vivemos numa busca incessante por finais felizes e alimentamo-nos dessa ideia de que a vida é como vemos nos filmes, como a das personagens que encontramos do lado de lá do ecrã, na publicidade e nas redes sociais. Acreditamos que uma vida feliz só deve incluir contentamento, alegria, diversão, serenidade e um estado de eterna harmonia. E cremos nisso porque foi o que nos incutiram desde que nascemos. Mas será realista? As narrativas sociais insistem que os seres humanos são naturalmente felizes – que a felicidade é um estado natural. Todavia, num dado momento da nossa vida, o sofrimento vai surgir, e rapidamente associamos o sofrimento a infelicidade. Entendemos que, se estamos a sofrer, não somos felizes. Essa narrativa social direciona-nos para uma perceção depreciativa do sofrimento? Sim e passamos a acreditar que o sofrimento psicológico/emocional é algo incomum ou anormal, sendo visto como uma fraqueza, doença, ou um defeito da mente. Logo, em muitos casos, quando estamos a sofrer são ativados pensamentos intrusivos: “sou fraco”, “não tenho força de vontade”, “é estúpido estar a sentir-me assim”, “toda gente está feliz menos eu”. No entanto, é importante compreender que os processos mentais saudáveis, de uma qualquer pessoa, conduzem naturalmente ao sofrimento. Querer ser e ter uma vida feliz, acreditando que a felicidade exclui o sofrimento gera, paradoxalmente, mais sofrimento e infelicidade. Ficamos presos a esse paradoxo, fruto dos mitos/narrativas que a sociedade promove sobre o que é a felicidade. O oposto de felicidade não é sofrimento, não é tristeza, não é dor; o oposto de felicidade é infelicidade. E infelicidade não é sinónimo de desconforto emocional/psicológico. Assim, podemos sentir tristeza, medo, irritação, ansiedade e isso não significa que não estamos a viver uma vida feliz. A positividade tóxica pode ser nociva? Mais de 30% da população adulta enfrenta algum tipo de perturbação psicológica. A depressão é a quarta doença mais comum do planeta. Aproximadamente um milhão de pessoas cometem suicídio, todos os anos, como consequência da depressão. Uma em cada duas pessoas considera suicidar-se. Um em cada quatro adultos sofre de algum tipo de dependência. Em algum momento da vida, o sofrimento vai emergir, a dor vai bater à porta, e poderá ser de tal forma avassaladora, que a única solução vislumbrada, será a morte. Ora, o sofrimento é inevitável. Quanto mais tentamos eliminar a dor, mais sofrimento sentimos. Tentamos, mais uma vez, recorrer a estratégias para eliminar pensamentos e controlar estados emocionais. Porém, a verdade é que temos muito menos controlo do que aquele que julgamos ter e é impossível eliminar pensamentos e emoções. No entanto, existe quem promova a ideia de que podemos controlar ou eliminar pensamentos e emoções: “Viva a sua vida sem medo”, “Elimine a ansiedade”, “Encontre o amor” são títulos-tipo de receitas para a felicidade. Os mais diferentes “especialistas”, desde life coaches, gurus da autoajuda, passando por comuns mortais que tiveram uma epifania que os encorajou a escreverem livros nos quais afirmam, convictamente, que mudarão a nossa vida. Tentam ensinar-nos a encontrar a felicidade, a não sofrer e a viver uma vida melhor. Certamente, terão as melhores intenções, mas sublinham as tais narrativas que asseveram que para sermos felizes temos de eliminar o sofrimento. É um problema a dobrar – não só não vão eliminar o sofrimento da vida das pessoas, como perpetuam os mitos sobre a felicidade. Todavia, nessas mesmas prateleiras das livrarias encontramos livros de outros tantos autores (talvez uma minoria) que apresentam formulações bem diferentes e mais ajustadas. A tentativa de eliminar pensamentos e sentimentos, é uma luta inglória que causará mais sofrimento. Torna-se, por isso, importante entender que aquilo que mais valorizamos na vida irá trazer sofrimento e que isso é natural, saudável e fundamental. Ser feliz é reconhecer que todas as emoções são válidas? Creio que não existe uma fórmula mágica, mas parece-me urgente começarmos por desconstruir os mitos sobre a felicidade e desenvolver literacia emocional. Portanto, é importante dotar/educar as pessoas para a importância e função das emoções. Uma criança com cinco anos saberá que tem de colocar um penso rápido numa ferida, e é capaz de levar a cabo essa tarefa de forma autónoma sem grandes dificuldades. Mas terá essa mesma criança, igual habilidade face à tristeza, para quando se sentir triste? Aqui, é realçada a importância de ensinar competências de literacia emocional: saber que as emoções são naturais, ter ferramentas para as aportar e saber como lidar com elas de forma adaptativa contribuindo para o nosso “funcionamento normal”. Viver implica experienciar todo o espectro emocional. Quando sentimos contentamento, alegria, que também é uma emoção, ninguém nos diz para eliminá-la. Todas as emoções cumprem uma função vital. Muitas vezes ouvimos as pessoas a classificarem as emoções como positivas ou negativas, o que é um erro. A experiência emocional pode ser desconfortável, mas isso não significa que é prejudicial. Por exemplo, a dor física é desconfortável, no entanto muito importante. A dor física cumpre a função de nos informar que algo se passa com o nosso corpo e que devemos agir (procurando os serviços de saúde). Ou seja, o desconforto emocional tal como a dor física são essenciais, porque também são um alerta importante que devemos “escutar”. Portanto, considero que é crucial ensinar as pessoas a relacionarem-se com as emoções de forma funcional; tentar controlar ou eliminar não é o caminho e terá consequências prejudiciais. Tentar controlar as emoções para termos uma vida feliz terá efeito paradoxal, não é certamente a solução. O que considera que realmente define uma pessoa e a vida que ela está a construir? Eu diria que a resposta está nas ações. Qual é a fonte de informação, que não as ações de uma qualquer pessoa, que nos permite caraterizar essa mesma pessoa e a vida que está a viver? Existe outra? Acredito que não. Controlamos aquilo que fazemos, as ações que levamos a cabo definem a pessoa que somos e a vida que estamos a viver. Ou seja, é através das ações que podemos criar uma vida significativa, que nos aproxima da pessoa que queremos ser, de uma vida enriquecedora, com sentido, que vale a pena ser vivida – ações comprometidas com os nossos valores. Existe um modelo de intervenção, a que recorro com alguma frequência: a Terapia da Aceitação e Compromisso, modelo que está alinhado com esta ideia de ação comprometida com os nossos valores. Este é um modelo muito versátil, pois pode ser usado tanto no tratamento de psicopatologias, como pode ser útil no âmbito do desenvolvimento pessoal. Este modelo oferece um conjunto de ferramentas e técnicas que nos permite conviver com o desconforto emocional sem que interfira com a construção de uma vida virtuosa, e com o propósito assente nos nossos valores. A felicidade é, então, um conceito muito pessoal e subjetivo? Completamente. Agora é com cada um: em primeiro lugar, começar por questionar as crenças que alimentam e que têm guiado as suas vidas é fundamental; conectar com a experiência emocional, refletir sobre as emoções, conviver com elas (ouvi-las) é igualmente essencial. Estes poderão ser os primeiros passos, para começar a trilhar o caminho para uma vida enriquecedora, significativa e alinhada com os valores pessoais – não lutar com a experiência emocional e não deixar que os mitos sobre a felicidade contaminem a nossa jornada. Afinal, são as nossas ações, e não a ausência de sofrimento, que nos aproximam da “felicidade”. Sugestões de Leitura de Israel Guimarães Para aqueles que procuram aprofundar-se nas questões da felicidade, do bem-estar e da aceitação do sofrimento como parte da experiência humana, Israel Guimarães recomenda algumas obras que considera fundamentais para ampliar a compreensão sobre o tema. São livros que ajudam a questionar as narrativas sociais sobre a felicidade e incentivam uma visão mais realista e enriquecedora da vida: “Ser Mortal”, Atul Gawande; “Amamos porquê?”, Anna Machin; “Sobre a brevidade da vida”, Séneca; “O sentido da Liberdade”, J. Krishnamurti “Como Viver uma Vida Boa. Encontre a filosofia de vida certa para si”, Massimo Pigliucci, Skye C. Cleary e Daniel Kaufman; “O Homem Que Plantava Árvores”, Jean Giono; “Tudo do Amor”, Bell Hooks; “O livro sobre como enfrentar o tabu que não te deixa ser quem és”, Alan W. Watts; “O Homem em Busca de um Sentido”, Viktor E. Frankl; “A Armadilha da Felicidade”, Russ Harris; “A Felicidade Paradoxal”, Gilles Lipovetsky; “O Pedaço que Falta”, Shel Silverstein; “O Poder do Agora”, Eckhart Tolle; “Siddhartha”, Hermann Hesse. Israel Guimarães é Psicólogo Clínico com Licenciatura e Mestrado pela Universidade do Minho, membro efetivo da Ordem dos Psicólogos e membro afiliado internacional da Associação Americana de Psicologia (APA). Tem Mestrado em Orientação Vocacional para Adultos e Dupla Especialização em Sexologia e Terapia de Casal, emitida pelo Instituto Português de Psicologia (INSPSIC). Completou formação complementar certificada pela Psychwire nas áreas de Terapia Focada nas Emoções (EFT), Terapia Focada na Compaixão (CFT), Entrevista Motivacional (MI) e Terapia da Aceitação e Compromisso (ACT). Possui ainda formação em Meditação Vipassana e é praticante de Tai Chi. Oferece atendimento presencial em Braga e online para todo o país. Morada: Avenida da Liberdade, 638, C.C. Gold Center 1º piso loja 46, Braga Contacto: +351 964 721 083 (chamada para a rede móvel nacional) Facebook: Israel Guimarães – Psicólogo Clínico Instagram: @israel_guimaraes_psicologo www.israelguimaraespsicologo.pt “O corpo guarda no subconsciente as experiências positivas e negativas que influenciam o nosso comportamento, as nossas emoções e a nossa saúde física” “Através da minha própria história percebi que um ‘simples’ procedimento estético pode ser um importante gatilho para o autocuidado e a saúde integral”
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