Psicologia “Tratar a insónia ou o burnout com fármacos sem olhar para a causa que os despoleta é pôr um penso rápido num problema contínuo” By Revista Spot | Novembro 12, 2024 Novembro 13, 2024 Share Tweet Share Pin Email A saúde mental ainda é frequentemente colocada em segundo plano, numa sociedade que continua a desvalorizar o impacto profundo que o bem-estar emocional tem na nossa qualidade de vida. A pandemia ajudou a colocar o tema na ordem do dia, mas também trouxe à tona as fragilidades do sistema de cuidados, revelando que ainda existe um acesso limitado a serviços adequados. Em muitas situações, a intervenção só ocorre quando os problemas já estão num estágio avançado, quando o ideal seria apostar numa lógica preventiva. Segundo Rui Vieira, Tânia Martins e Ana Sofia Silva, psicólogos clínicos no Neurogime, para que possamos efetivamente mudar esta realidade, é essencial que a saúde mental seja integrada de forma mais eficaz nas políticas públicas e no sistema nacional de saúde. Como podemos incentivar uma maior valorização da saúde mental e do bem-estar social no discurso público e nos sistemas de saúde? A Organização Mundial de Saúde definiu, em 1946, a saúde como ‘um estado de completo bem-estar físico, mental e social’, mas a sociedade parece ainda focar-se mais na saúde física. Atualmente, a intervenção em saúde mental ocorre geralmente em estágios avançados, com foco curativo, e não preventivo. No sistema de saúde público, longos tempos de espera e a escassez de recursos dificultam o acesso a tratamentos adequados, como a psicoterapia, sendo os medicamentos frequentemente a primeira opção. Embora a pandemia tenha gerado maior consciencialização sobre a importância da saúde mental, o modelo de prevenção e promoção do bem-estar social ainda está em desenvolvimento. A estigmatização diminuiu, mas persiste uma pressão para tratar as patologias sem criar ambientes que promovam a saúde mental. Para mudar isso, é essencial que as políticas públicas se tornem mais eficazes, promovendo espaços acessíveis e inclusivos. É fundamental adotar uma abordagem integrada. Modelos como o do Reino Unido, onde a psicoterapia é vista como a intervenção de primeira linha e as terapias de baixa intensidade são priorizadas antes dos medicamentos, mostram como reduzir o uso excessivo de fármacos e tratar as causas subjacentes de problemas como a insónia, por exemplo. Afinal de contas, tratar a insónia ou o burnout com fármacos sem olhar para a causa que os despoleta é pôr um penso rápido num problema contínuo. Além disso, é crucial integrar estratégias preventivas e educativas em escolas e ambientes de trabalho para criar uma cultura saudável. A saúde mental deve ser vista como parte integrante da saúde da pessoa, e a intervenção precoce deve ser sempre a prioridade. É necessário desmistificar a ideia de que o bem-estar social e mental é secundário. Que desafios enfrentam os profissionais de saúde ao tentar implementar uma visão biopsicossocial? Um dos principais desafios é a compartimentação do sistema de saúde, onde ainda prevalece uma visão fragmentada. Por um lado, os médicos são formados para focar no corpo, tratando doenças físicas de forma isolada, enquanto os psicólogos lidam com questões emocionais e mentais, frequentemente sem considerar os efeitos que essas dimensões podem ter na saúde física. No fundo, mente e corpo estão intimamente ligados, e quando tratamos uma parte sem a outra, estamos a negligenciar a totalidade do ser humano. Essa separação artificial impede uma abordagem verdadeiramente integrada, onde cada parte influencia e é influenciada pelas outras. As novas áreas de estudo, como a psiconeuroimunoendocrinologia, sugerem que a saúde mental, a endocrinologia, o sistema imunitário e os aspetos psicológicos estão profundamente entrelaçados. Isso desafia os paradigmas tradicionais, levando à necessidade urgente de uma abordagem interdisciplinar, onde os profissionais de diferentes áreas aprendam a colaborar e a comunicar de forma mais fluida. Além disso, a saúde social é outro pilar essencial que frequentemente fica à margem. O contexto social, as redes de apoio e as interações humanas têm um impacto direto na saúde física e mental, mas muitas vezes são subestimados no atendimento médico tradicional. A falta de uma visão integrada, onde o paciente é visto de forma integrada, impede que se compreenda a totalidade da sua experiência, o que pode comprometer os resultados do tratamento. O sistema de saúde, por sua vez, tende a ser compartimentado, com barreiras que dificultam a comunicação entre os profissionais. Quando não há um fluxo de informação eficaz entre médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros, perde-se a oportunidade de construir um plano de cuidados verdadeiramente abrangente. Isso resulta na desintegração do atendimento, com os pacientes sendo tratados de forma parcelada, e não como um ser humano completo. Ao promover uma abordagem mais integrada, podemos melhorar a qualidade de vida dos pacientes, prevenindo doenças, acelerando a recuperação e promovendo o bem-estar de uma forma mais abrangente. Como promover uma maior articulação entre diferentes profissionais e abrir os consultórios à comunidade para promover a literacia e facilitar o acesso a cuidados de saúde mental? Uma das formas eficazes de promover essa articulação é a realização de eventos, como webinars, sessões informativas, rastreios, que são oportunidades que temos de abrir os consultórios à comunidade, contribuir para uma maior literacia e dar ferramentas à população, para identificar sinais de alerta e saber como e quando devem procurar ajuda. No contexto clínico, a articulação entre os profissionais deve ser contínua. A troca de informações entre médicos, psicólogos e terapeutas é fundamental, especialmente quando se lida com pacientes com múltiplas necessidades. A comunicação, com o consentimento do paciente, entre profissionais que o acompanham em diferentes áreas, pode ser um diferencial importante para garantir que todas as vertentes da sua saúde – mental, emocional e física – sejam atendidas de forma sinérgica. A realidade dos cuidados no setor público, onde os tempos de consulta são limitados, torna ainda mais urgente a necessidade de uma articulação mais eficaz entre as várias áreas da saúde. A falta de tempo nos serviços públicos, que resulta em consultas apressadas, dificulta a possibilidade de os médicos se aprofundarem nas questões emocionais e psicológicas dos pacientes. A criação de um sistema que permita aos profissionais de saúde comunicarem de forma mais fluida e integrada, respeitando a confidencialidade e a ética, seria um grande passo para melhorar a qualidade do atendimento, especialmente na área da saúde mental. Isso também implicaria um maior investimento na formação dos profissionais e no desenvolvimento de estratégias que promovam o trabalho em equipa, essencial para o tratamento eficaz de distúrbios mentais que envolvem componentes psicológicos, sociais e familiares. No fundo, a chave para melhorar a articulação entre os profissionais de saúde e abrir os consultórios à comunidade é a promoção de uma cultura de colaboração, educação e acesso facilitado, para que a saúde mental seja abordada de forma integrada, eficaz e acessível a todos. A promoção de competências socioemocionais desde a primeira infância é fundamental para prevenir futuros problemas? A promoção de competências socioemocionais desde a primeira infância é, de facto, um dos pilares fundamentais para prevenir problemas de saúde mental no futuro. Ao longo dos primeiros anos de vida, a criança começa a desenvolver as bases para a regulação emocional, empatia, autoconhecimento e competências sociais essenciais para o seu bem-estar ao longo da vida. Estudos mostram que programas que abordam essas competências, de forma integrada e contínua, têm um impacto muito positivo no desenvolvimento emocional das crianças. Em Portugal, já existem várias iniciativas que estão a ganhar destaque, como programas implementados nas escolas, que incluem atividades lúdicas e educativas que envolvem o desenvolvimento da inteligência emocional, a resolução de conflitos e a expressão de sentimentos. Estes programas têm mostrado ser eficazes, especialmente quando aplicados de forma regular e contínua, de preferência com a participação ativa dos professores. É importante que esses programas não se limitem ao contexto escolar, mas que envolvam também as famílias. A escola pode ser um excelente ponto de partida, mas é em casa que as crianças precisam de reforço. A dificuldade que muitos pais têm em falar sobre emoções e a falta de uma linguagem emocional mais desenvolvida nas gerações anteriores tornam este trabalho mais desafiador. Por isso, muitas vezes é necessário incluir também o trabalho com os pais, promovendo a educação emocional nas famílias e criando um ambiente que favoreça o desenvolvimento dessas competências no dia-a-dia. A abordagem lúdica e informal tem se mostrado extremamente eficaz, uma vez que as crianças aprendem naturalmente a interagir com o mundo e com os outros através do brincar. Programas que incentivam o brincar, o jogo simbólico, a interação com os colegas e a resolução de problemas em grupo são ferramentas poderosas para o desenvolvimento das competências socioemocionais. Além disso, a intervenção precoce, quando feita de maneira consistente, pode ter efeitos duradouros, prevenindo o desenvolvimento de distúrbios emocionais ou comportamentais, como ansiedade, depressão e dificuldades de relacionamento. Portanto, trabalhar as competências socioemocionais desde a primeira infância, de forma integrada e contínua, em colaboração com a escola e a família, tem o potencial de prevenir uma série de problemas de saúde mental e emocional ao longo da vida. Como podemos envolver melhor a comunidade no processo de promoção da saúde mental? Para envolver melhor a comunidade no processo de promoção da saúde mental, é necessário adotar uma abordagem integrada, envolvendo todos os setores que têm impacto na vida das crianças, como as escolas e as famílias. As escolas desempenham um papel crucial, pois são o ambiente onde as crianças passam grande parte do tempo. A escola deve ser um espaço que promova não só a aprendizagem, mas também a saúde mental. Criar ambientes seguros onde as crianças possam expressar as suas emoções e realizar atividades que favoreçam o desenvolvimento emocional, como jogos e dinâmicas de grupo, é essencial. Os educadores, embora sobrecarregados com horários apertados e currículos rígidos, podem integrar práticas de saúde mental no seu dia-a-dia. A formação em saúde mental deve incluir, igualmente, assistentes operacionais e técnicos de outras áreas da escola, garantindo que todos os profissionais possam contribuir para a criação de um ambiente mais acolhedor e atento às necessidades emocionais das crianças. Os pais e cuidadores têm um impacto profundo na saúde emocional das crianças. Por isso, é essencial envolvê-los ativamente no processo educativo, proporcionando-lhes apoio e recursos para lidar com questões emocionais. Muitas vezes, os pais precisam de orientação e, em alguns casos, de psicoterapia, para compreender os significados subjacentes à desregulação emocional das crianças. A terapia familiar pode ser uma abordagem eficaz, pois permite identificar padrões familiares que podem influenciar o comportamento dos filhos. As exigências do mundo do trabalho moderno estão a gerar níveis elevados de stress e ansiedade. Como podem as empresas ser mais ativas na promoção da saúde mental dos seus colaboradores? Para além de simplesmente oferecerem informações e literacia sobre o tema, as empresas precisam de integrar práticas eficazes que considerem o ambiente de trabalho como um fator determinante para o bem-estar dos seus colaboradores. De fato, o ambiente corporativo é, muitas vezes, um promotor de doenças mentais, se não for cuidadosamente estruturado. As organizações que adotam uma abordagem empática, focada na promoção do bem-estar e na criação de um ambiente saudável, tendem a obter resultados muito mais eficazes. Isto passa pela criação de espaços de trabalho que incentivem a comunicação aberta, o apoio emocional e o reconhecimento das necessidades psicológicas dos colaboradores. No entanto, a simples formação em saúde mental não é suficiente. Embora a literacia sobre o tema seja um ponto de partida importante, ela por si só não resolve a questão. Se o ritmo de trabalho for excessivo, a pressão constante para atingir metas inatingíveis ou se as condições de trabalho forem stressantes, os colaboradores, por mais bem informados que estejam, continuarão a sofrer com os efeitos do burnout e da ansiedade. Em vez de tratar o problema apenas ao nível individual, as empresas devem procurar modificar as suas práticas e estruturas organizacionais de forma a prevenir essas condições. Um exemplo claro disso são as transições de vida natural, como o nascimento de um filho, lutos ou divórcios, que, embora sejam situações universais, muitas vezes não são suficientemente reconhecidas pelas empresas. A pressão para que os colaboradores voltem rapidamente ao trabalho após esses eventos pode agravar ainda mais o seu estado emocional e psicológico. Se as organizações forem sensíveis a esses momentos e implementarem políticas que favoreçam a adaptação durante essas transições, será possível melhorar o bem-estar dos colaboradores e a sua produtividade a longo prazo. Além disso, práticas que respeitem o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, como horários flexíveis, apoio à parentalidade, e ambientes de trabalho que incentivem o descanso e o autocuidado, têm-se mostrado extremamente eficazes. A Organização Mundial de Saúde, por exemplo, preconiza uma série de diretrizes sobre cuidados com a saúde física e emocional, que muitas empresas ainda não conseguem implementar de forma eficaz devido às suas próprias políticas restritivas. Nos tempos de incerteza que vivemos tem havido um aumento da procura por apoio psicológico? A pandemia foi um marco importante nesse processo, pois trouxe à tona muitas questões que, antes, eram ignoradas ou minimizadas. Muitas pessoas passaram a refletir mais sobre o seu bem-estar emocional, principalmente em momentos de confinamento, quando as dinâmicas familiares e sociais foram forçadas a mudar, revelando questões que, muitas vezes, estavam escondidas ou não eram suficientemente reconhecidas. No entanto, se, por um lado, é fundamental desenvolver competências socioemocionais desde a infância, para que os mais jovens possam aprender a lidar com a frustração, a resiliência e a autoconfiança, por outro, muitos adultos ainda não têm essas ferramentas bem desenvolvidas, o que resulta em dificuldades ao lidar com essas mesmas questões. Por isso, muitos dos casos que chegam aos consultórios são de pessoas que, ao longo da vida, não aprenderam a gerir a incerteza de maneira saudável, levando a uma procura constante por controlo, o que, em última instância, agrava a ansiedade. Esse comportamento está ligado, muitas vezes, a uma cultura que valoriza a produtividade, os resultados e o cumprimento de objetivos de forma quase implacável. A procura constante por um ideal de perfeição e a pressão das redes sociais, que apresentam uma imagem irreal de felicidade, contribuem ainda mais para o aumento de sintomas como a ansiedade e o burnout. É essencial que a sociedade continue a abrir espaços para falar sobre esses temas, para que as pessoas se sintam mais à vontade para procurar ajuda quando necessário. No entanto, o estigma ainda persiste em muitos contextos, incluindo o ambiente de trabalho, onde a vulnerabilidade psicológica é frequentemente vista como uma fraqueza. Isso dificulta o processo de aceitação e procura por apoio, sendo importante trabalhar tanto na consciencialização coletiva quanto no apoio individual, respeitando sempre as necessidades e o processo de cada pessoa. Como podemos mudar esta perspetiva para reforçar a ideia de que é também uma responsabilidade coletiva, com a participação ativa da sociedade, dos governos e das instituições? É fundamental que isso aconteça. Afinal, a saúde mental não é apenas um reflexo das nossas ações pessoais, mas também dos contextos em que estamos inseridos. A sociedade, os governos e as instituições desempenham um papel fundamental no apoio à saúde mental, criando ambientes que favoreçam o bem-estar. Se tivermos profissionais esgotados, sobrecarregados com jornadas de trabalho longas e com recursos limitados, a promoção da saúde mental torna-se ainda mais difícil. Precisamos de olhar para as condições de vida e de trabalho, as desigualdades socioeconómicas e as políticas públicas que impactam diretamente a qualidade de vida e, consequentemente, a saúde mental das pessoas. Por exemplo, uma criança que cresce num ambiente com pais estáveis, com empregos que permitem uma boa qualidade de vida, está mais preparada para lidar com os desafios da vida do que uma criança cujos pais enfrentam condições precárias de trabalho e de vida. A metáfora da planta que necessita de um solo fértil, da temperatura certa e de um ecossistema equilibrado é muito pertinente. Não basta apenas dar carinho ou atenção; é necessário garantir que o ambiente em que a pessoa vive favoreça a sua saúde mental. Do ponto de vista coletivo, é essencial que as famílias, as escolas e as comunidades, juntamente com os governantes e as empresas, criem condições adequadas para o bem-estar. A responsabilidade não é só da pessoa, mas de todos os contextos em que ela está inserida, desde a família até a sociedade em geral. É importante criar uma rede de apoio que envolva todos, promovendo uma abordagem integral da saúde mental. Quando os sistemas de suporte estão bem estruturados, as pessoas têm mais saúde física e mental. Morada: NeuroGime Clínica: Rua José Ferreira Alves, Nº 29, 4710-915, Gualtar Centro de Neurodesenvolvimento: Rua Engenheiro Nuno Álvares Pereira, nº 7, 4710-915 Gualtar, Braga Contacto: 961 187 304 (NeuroGime); 968 209 548 Facebook: NeuroGime – Clínica NeuroGime Centro de Neurodesenvolvimento Instagram: @neurogime @neurogime.cnd www.neurogime.pt “A maternidade vai muito além de listas de essenciais e guidelines, é sobre compreender as necessidades de bem-estar da mãe e do bebé desde o primeiro dia” “Também existem perigos ao tentarmos fazer melhor do que as gerações anteriores”
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