Psicologia “Também existem perigos ao tentarmos fazer melhor do que as gerações anteriores” By Revista Spot | Novembro 12, 2024 Novembro 27, 2024 Share Tweet Share Pin Email A tentativa de fazer melhor do que as gerações anteriores é uma preocupação constante de muitos pais. No entanto, essa vontade de ‘fazer melhor’ pode gerar pressões internas intensas, levando a uma autoexigência excessiva. As psicólogas clínicas Cláudia Correia, Rita Araújo e Angelina Senra, da Eleva Saúde, exploram nesta entrevista a forma como as experiências vividas na infância moldam as nossas reações enquanto adultos, especialmente no papel de pais. Quando a intenção de educar de forma diferente entra em confronto com os padrões automáticos aprendidos, surgem sentimentos de culpa, ansiedade e frustração. Angelina Senra alerta ainda para a pressão implícita que hoje em dia se exerce sobre as crianças, levando-as a associarem o seu valor ao desempenho. “Este contexto pode afetar profundamente a sua autoestima e dificultar o desenvolvimento de uma identidade emocionalmente saudável.”, sublinha. Cláudia Correia As experiências vividas ao longo da vida impactam a construção da nossa identidade e a forma como interagimos com o mundo? Sim, sem dúvida. Nós somos o resultado do que vamos sentido e da forma como processamos as nossas vivências. Atenção, não somos o que vivemos, mas o que compreendemos e integramos da experiência. E, em função dessa construção, vamos reagir ao nosso presente, ao que nos vai acontecendo. Habitualmente o ser humano repete os padrões de funcionamento onde cresceu e se desenvolveu. Mesmo que não gostemos, fazemo-lo de forma automática. Quantos de nós nos ouvimos dizer que ‘sempre disse que não faria como a minha mãe e estou a fazer igualzinho’. Se esses padrões forem flexíveis, porque não contêm trauma, nós conseguimos refletir sobre eles e adaptá-los para que haja um melhor equilíbrio e satisfação entre o que aprendemos e o que queremos implementar na nossa vida. No entanto, quando a experiência onde crescemos foi mais exigente e de sofrimento, o mais provável é que tentemos fazer exatamente o oposto para nos afastarmos de reviver as nossas dores. Nos últimos anos, com a compreensão de que a saúde mental é parte integrante da nossa saúde e bem-estar, a necessidade de quebrar padrões com os quais não concordamos, aumentou muito. E se com conhecimento do que seria melhor, mesmo assim nos vemos a fazer o que nos fizeram no passado, podemos sentir-nos muito mal. E é aqui, nesta magnifica intenção de se fazer melhor do que os nossos pais/cuidadores/sociedade, que residem muitos dos pedidos de consulta de psicologia. Saber que queremos fazer algo de maneira diferente não significa, necessariamente, que conseguimos. Quando falhamos, sentimos culpa, tentamos melhorar, exigimos demasiado de nós próprios e, com isso, acabamos por adoecer. É então que surgem os sintomas de depressão e ansiedade, que levam as pessoas a procurar consultas. A parentalidade é das áreas onde isto é mais evidente. E como reconhecer e quebrar padrões do passado de forma saudável? Olhando para nós com curiosidade. E com essa curiosidade perguntarmo-nos: porque será que penso assim? Porque reagi desta forma? Seria capaz de fazer diferente? Será que não estou a exagerar na minha reação? Se identificar uma reação intensa (emocional ou comportamental) e/ou inflexível (sem conseguir adotar outra perspetiva) a determinada situação, deve dedicar algum tempo a compreender de onde surge esse padrão de resposta. Por exemplo, pode ser uma pessoa geralmente tranquila e assertiva, mas, quando é ignorada, reage de forma agressiva e muito intensa. Ao explorar essa reação, poderá perceber que, em algum momento da sua vida, associou ser ignorada a ser diminuída, e que, atualmente, a reação agressiva surge como uma forma de se proteger da possibilidade de voltar a sentir-se diminuída. Por vezes esta atenção curiosa ao nosso funcionamento é suficiente para irmos mudando os nossos padrões de resposta. Outras vezes a terapia é necessária, principalmente se alguns padrões de funcionamento surgiram em situações de trauma que levam a reações mais intensas e inflexíveis. Rita Araújo Disseram que a parentalidade é um dos momentos onde mais surge a necessidade de quebrar padrões. Porque é que isso acontece? Quando somos pais, as nossas experiências enquanto criança passam a estar também mais presentes. Surgem mais lutas internas, do que vivemos e do que queremos que os nossos filhos vivam. E ainda temos de conciliar isto com as outras pessoas da vida da criança e a própria criança. Tudo isto pode ser de facto muito exigente. Tal como referi antes, temos mais competência para sermos pais que repetem padrões e, por isso, o mais provável é lidarmos com os nossos filhos de forma semelhante à que lidaram connosco. Se essa forma de ver a educação e cuidado ao filho for muito diferente do que queremos fazer hoje, pode ser uma tarefa bastante exigente, pois automaticamente reagimos de uma forma, e racionalmente queremos fazer de outra. Um exemplo simples: se a nossa educação teve muitas palmadas, temos mais probabilidade de as usar com os nossos filhos. Se sentimos as palmadas que nos foram dadas como traumáticas e as utilizamos com os nossos filhos, a culpa e vergonha podem invadir-nos, pois temos medo de traumatizar e magoar os nossos filhos. E se é verdade que devemos querer fazer diferente, também é verdade que nos culpamos em excesso porque achamos que ao fazermos o mesmo que nos fizeram a nós, vamos estar a magoar como nós fomos magoados. E isso não é necessariamente verdade. A culpa parental quer muito que façamos diferente, obriga-nos a questionar e a gerir as respostas automáticas que estão em nós, mas viver um papel tão exigente como o parental com muita culpa e medo também tem consequências negativas. Primeiro para o adulto, que vive exausto e com sentimentos de falha constantes, mas também para a criança. Pois muitas vezes para evitarmos sentir que podemos estar a magoar e fazer sofrer, fazemos o oposto. E esse oposto não é necessariamente positivo. Muitos pais de hoje foram filhos que tiveram pouca liberdade para expressar a sua individualidade, cresceram sob uma educação que sentiram como castradora e onde chorar era motivo de crítica. No extremo oposto, surge a necessidade de proteger os filhos de todas as situações que viveram, fazendo tudo para evitar qualquer tipo de violência na comunicação com a criança, qualquer coisa que a possa traumatizar, que a faça chorar ou sentir-se inferior aos outros. Embora, à partida, isso pareça positivo, levado ao extremo, pode não ser. Quer pela culpa excessiva quando as coisas não correm sempre bem, quer porque as crianças precisam de estrutura, de adultos que tomem decisões por elas, de limites e, por vezes, de chorar, se a situação merecer. Quebrar esses padrões de educação, enquanto os avós continuam a mantê-los, deve ser difícil… Sem dúvida. Se olharmos com curiosidade para a forma como nos sentimos quando os nossos filhos estão com os avós e são cuidados de uma maneira com a qual não concordamos, talvez consigamos identificar alguns dos nossos gatilhos emocionais. Por exemplo, a alimentação é um tema comum de desentendimento entre pais e avós. Muitos pais de hoje carregam traumas relacionados com a hora das refeições, pois fomos frequentemente forçados a comer ou diminuídos por não o fazermos. Frases como ‘és uma criança feia’ ou ‘não vais dar em nada na vida se não comeres’ marcam-nos profundamente. Quando hoje alguém insiste para que o nosso filho coma ou o chama de “menino feio” por não comer tudo, podemos sentir uma ansiedade e raiva excessivas, querendo terminar a interação o mais rápido possível, pois sentimos que o nosso filho precisa de ser defendido desse ataque. O que muitas vezes não percebemos é que, para a criança, aquele momento pode não ter qualquer impacto; o impacto é em nós. Ao longo da nossa infância, ouvimos aquela frase tantas vezes, normalmente da nossa cuidadora principal (geralmente a mãe), que ela nos magoa profundamente, e receamos que possa também magoar o nosso filho. No entanto, devemos lembrar-nos de que, hoje, quem está a fazer isso ao nosso filho é a avó, que o faz pontualmente, e nós estamos lá para proteger da possível dor emocional, dizendo, por exemplo, que aquilo não é verdade e que a avó só quer que ele coma bem. Ou seja, dificilmente será um momento de trauma para a criança. Se nos afastarmos dos avós ou formos excessivamente rudes com a avó, podemos acabar por causar mais consequências negativas do que positivas para a criança. Angelina Senra Angelina, como psicóloga dos mais novos. Como sente que estão as crianças hoje em dia em relação à educação que têm? Nos dias de hoje, há uma pressão implícita, silenciosa e constante para corresponder a expetativas elevadas. Esta pressão resulta, em parte, de um ambiente em que se valoriza o desempenho excecional — seja na escola, no desporto ou nas atividades extracurriculares. Além disso, o desejo dos pais de oferecer tudo o que eles próprios tiveram ou, por outro lado, de proporcionar o que não tiveram, cria a perceção nas crianças de que precisam de ser ‘perfeitas’ para justificar esse esforço. Esta dinâmica pode originar níveis significativos de ansiedade e dificuldades em lidar com falhas ou imperfeições. A criança pode facilmente sentir que não é suficiente para aqueles pais que tanto se empenham. Uma das consequências deste contexto é a forma como se desenvolve a identidade das crianças. É natural que estas associem o seu valor ao seu desempenho, às suas conquistas, e não ao que são como pessoas. Este sentimento é um terreno muito propicio a esconder as emoções, a evitar demonstrar vulnerabilidades e até a sentir que precisam de cuidar da sua imagem ou ser extremamente competentes de forma impecável para merecer aceitação e amor. É essencial que os pais reconheçam estes sinais e ajustem as suas abordagens. Por exemplo, deve fazer parte da rotina da criança momentos e atividades sem exigências e sem avaliações, onde o brincar livre é privilegiado. Todas as emoções precisam de ser validadas e ter espaço para surgir, sem o receio de julgamentos. Celebrar os esforços, a tentativa e a dedicação deve ser tão importante quanto focar-se no resultado final alcançado. Mais do que crianças extremamente competentes ou ‘mini adultos’, a meta deve ser desenvolver um ambiente onde elas se sintam seguras para crescer, errar e aprender a lidar com as suas emoções. No final do dia, a base para uma vida saudável começa na infância, e cuidar das emoções é uma peça fundamental nesse processo. Morada: Rua dos Chãos, nº92, Galeria dos Chãos, 1º andar, Consultório P, 4710 – 230 Braga Contacto: 913 057 098 Facebook: Cláudia Correia – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta – Eleva Saúde Instagram:@clinicaelevasaude www.elevasaude.pt “Tratar a insónia ou o burnout com fármacos sem olhar para a causa que os despoleta é pôr um penso rápido num problema contínuo” “A transformação física pode ser o primeiro passo para uma revolução em todas as áreas da nossa vida”
Psicologia “Tratar a insónia ou o burnout com fármacos sem olhar para a causa que os despoleta é pôr um penso rápido num problema contínuo” A saúde mental ainda é frequentemente colocada em segundo plano, numa sociedade que continua a desvalorizar o impacto profundo que…
Psicologia “A consciência emocional é um superpoder que a psicologia nos ensina a desenvolver” Nos últimos anos, a psicologia tem vindo a expandir a sua área de atuação, tornando-se uma disciplina central na promoção…
Psicologia “Vivemos numa busca incessante por finais felizes numa sociedade que rejeita o sofrimento como parte da condição humana” Num mundo em que a felicidade parece ser um objetivo constante e inalcançável, é essencial refletirmos sobre a forma como…