Psicologia “Uma relação é uma dança entre o desejo de pertença e a afirmação da individualidade” By Revista Spot | Outubro 31, 2024 Novembro 4, 2024 Share Tweet Share Pin Email As relações desempenham um papel fundamental no nosso autoconhecimento e crescimento pessoal. Cada interação é uma oportunidade para refletirmos sobre nós e sobre os papéis que desempenhamos. Segundo as psicólogas Luísa Leal e Mariana Chelo, as nossas emoções e crenças internas influenciam profundamente a forma como nos relacionamos, moldando a maneira como interpretamos as situações e reagimos a elas. “Num mundo hiperconectado, cultivar relações saudáveis e autênticas, enriquece-nos enquanto pessoas e permite-nos desenvolver uma compreensão mais profunda de nós mesmos e dos outros.”, afirmam. As relações interpessoais são espelhos de quem somos? Luísa: Sim, as relações interpessoais funcionam como um espelho que reflete quem somos, na medida em que somos seres relacionais, tanto com os outros como com a vida em geral. Ocupamos diferentes papéis, e em cada um deles podemos rever-nos e descobrir algo sobre nós mesmos. O que considero mais interessante neste espelho é que ele não é apenas um reflexo; pode também ser uma vibração do que somos e, em grande parte, da forma como nos vemos. Quando digo a um paciente para se olhar ao espelho, poucos são os que conseguem olhar-se nos olhos. Essa dinâmica revela a nossa capacidade de olhar para o outro e compreender o que esse encontro nos oferece, assim como o que realmente recebemos. Portanto, muito do que somos é, sem dúvida, resultado desta interação e da nossa capacidade de analisar essas relações, trazendo à tona a nossa essência. Isso inclui os nossos pontos de crescimento e, também, os aspetos nos quais nos sentimos desintegrados (ou em ‘stress’) e com os quais podemos não nos identificar verdadeiramente. É fundamental mantermos um fio condutor que represente a nossa identidade, seja ela pessoal, relacional ou social. Mariana: Gostaria de acrescentar que existem diferentes tipos de espelhos nas relações que estabelecemos. Cada uma delas pode revelar diferentes partes de nós, ajudando-nos a complexificar a nossa experiência. É certo que, ao nutrir essas relações, enriquecemos a nossa vivência interna. Luísa: Acredito que, ao trazer à tona estas diferentes facetas, estamos a construir as nossas crenças, valores e identidade, ao mesmo tempo que procuramos mostrar o melhor de nós. É essencial promover saúde, conforto e bem-estar, pois são eles que nos permitem caminhar pela estrada da vida. A relação com as nossas emoções e crenças internas interfere na capacidade de nos relacionamos com os outros e de nos vinculamos emocionalmente? Luísa: Vejo as emoções e as crenças como interligadas, como se caminhassem lado a lado. Se considerarmos a natureza das emoções, percebemos que são respostas psicofisiológicas; são, na essência, instintos primários. Cada emoção surge em resposta a algo que a nossa mente percebe e interpreta rapidamente, o que chamamos de pensamento automático. Este pensamento, por sua vez, está intrinsecamente ligado às nossas crenças internas, que moldam a forma como interpretamos o mundo. As nossas crenças são como uma lente através da qual vemos tudo o que nos rodeia, e essa lente é construída ao longo da nossa vida, influenciada pelas nossas experiências e pelo nosso contexto. Assim, o significado que atribuímos a um acontecimento depende da forma como a nossa mente o lê. Se, num determinado momento, ela interpreta algo como ameaçador, isso terá um impacto significativo na nossa maneira de nos moldar, comportar e lidar com os outros, além de influenciar a forma como estabelecemos vínculos emocionais. Esses vínculos, essas interações e a dinâmica que delas resulta são profundamente afetados pela nossa perceção. Mariana: Gostaria de reforçar esta metáfora das lentes, que tanto aprecio, e que nos ajuda a compreender como as emoções e crenças influenciam a nossa visão do mundo. Ao longo da vida, podemos descobrir, muitas vezes através da terapia, que a relação que temos com as nossas emoções é composta por duas dimensões: o que sentimos e a observação do que sentimos. À medida que desenvolvemos essa capacidade de observação, passamos a relacionar-nos de forma diferente com as nossas emoções, ganhando uma liberdade afetiva e emocional muito maior. Isso, por sua vez, permite-nos encontrar relações que verdadeiramente ressoam com o que somos. Será que muitas vezes projetamos expectativas ou inseguranças no outro em vez de nos conectarmos de forma genuína? Luísa: A projeção é um mecanismo de defesa, refletindo a nossa bagagem e tudo o que já construímos dentro de nós. Muitas vezes, uma pessoa que é extremamente insegura acaba por projetar as suas inseguranças nos outros, porque é difícil lidar com essa realidade e admitir a nossa vulnerabilidade. Isso não se relaciona apenas com a projeção, mas também com o papel que atribuímos aos outros, muitas vezes responsabilizando-os pela nossa segurança. Isto acontece porque lidar com os nossos próprios pontos de melhoria—como gosto de os chamar—e com aquilo que nos causa stress ou desarmonia pode ser bastante desafiante. A vulnerabilidade é muitas vezes vista como fraqueza em relações? Luísa: Se formos consultar o dicionário à procura do significado de vulnerabilidade, rapidamente encontramos a associação com fraqueza. Assim, a vulnerabilidade é automaticamente ligada a conceitos de fragilidade. No entanto, a nossa vulnerabilidade representa a capacidade de nos expormos. Acredito que devemos ver a vulnerabilidade como um ponto de crescimento e uma oportunidade para evoluir, mas é igualmente importante respeitarmos os nossos limites e as barreiras que ela pode estabelecer. Sem dúvida que a vulnerabilidade traz consigo a honestidade para connosco próprios e o respeito por nós. Está também intrinsecamente ligada à autenticidade. Frequentemente, relaciona-se com a autoestima e a autoconfiança. Assim, encaro a vulnerabilidade como uma janela de oportunidades para o crescimento. Ser vulnerável não significa que sejamos necessariamente frágeis; depende de como utilizamos essa vulnerabilidade em nosso benefício e nas dinâmicas que estabelecemos. Mariana: A associação que fazemos à palavra vulnerabilidade frequentemente provoca uma reação de medo e resistência. No entanto, a vulnerabilidade é, na verdade, aquilo que é verdadeiro para nós. A forma como incorporamos essa vulnerabilidade nos relacionamentos reflete o que mostramos ao mundo. Se mostrarmos algo que é mais verdadeiro e coerente connosco, também atraímos outras pessoas para partilhar e construir algo significativo connosco. Por que parece ser tão difícil para as pessoas permitirem-se ser autênticas hoje em dia? Luísa: Vivemos numa sociedade que não é fácil e que, muitas vezes, é voltada para o exterior. Hoje em dia, mesmo com as redes sociais e todas as exigências que enfrentamos, estamos constantemente bombardeados pelo que os outros esperam de nós. Isso leva a outro conceito importante no âmbito da psicologia: a perceção. Muitas vezes trabalhamos a perceção que temos de nós próprios, a perceção que achamos que os outros têm de nós e a perceção real que eles têm. Esta confusão entre as diferentes perceções leva a questões como: “O que é que os outros esperam de mim? Devo comportar-me desta forma?” Se fui educada com base nessas expectativas, acabo por viver em função delas. Não tenho dúvidas de que há um momento nas nossas vidas em que isso se choca com a nossa verdadeira essência. E é a partir desse ponto que é necessário trabalhar para alcançar a evolução e o crescimento. Mariana: Vejo isto de forma muito visual. É como se a nossa casa fosse a nossa essência e a casa de outra pessoa fosse a identidade do outro. Quando passamos demasiado tempo a limpar, comer e viver na casa do outro, a nossa casa acaba por ficar vazia. Isso torna-a um espaço mais frágil e difícil de habitar. Cria-se, assim, uma grande confusão sobre o que é nosso e o que pertence aos outros. Essas fronteiras tornam-se cada vez mais indefinidas. E sim, essa confusão é o que torna difícil aceitar a vulnerabilidade. A forma como nos vinculamos aos nossos pais ou cuidadores na infância molda a maneira como construímos laços afetivos na vida adulta? Mariana: Nascemos com uma grande capacidade de nos deixarmos moldar pelo mundo à nossa volta. O nosso cérebro só está totalmente desenvolvido por volta dos 25 anos, o que significa que as relações que estabelecemos desde cedo têm um impacto significativo na forma como nos sentimos e lidamos connosco próprios. Assim, trazemos sempre essa bagagem connosco. A forma como utilizamos essa bagagem—seja para a rejeitar, aceitar ou questionar—é algo que podemos fazer ao longo da vida. Essa é, de facto, uma das principais finalidades da terapia. Se não fosse assim, não faria sentido a existência de terapia. Portanto, sim, existem padrões que nos influenciam. Mais do que tudo, são referências que, assim que começamos a questionar, nos permitem aprender, de forma experiencial, a relacionar-nos de maneira diferente com os outros e connosco mesmos. Luísa: Exatamente. E isso traz à tona as nossas vivências em piloto automático. Muitos desses padrões definem a nossa forma de agir diante de determinados estímulos. Muitas vezes, vivemos de forma inconsciente, mas, ao permitirmo-nos parar e refletir, conseguimos trazer consciência e clareza às nossas ações, o que nos permite questioná-las. Esses padrões podem facilitar um crescimento mais saudável, dando-nos ferramentas para olharmos para os outros e para correspondermos ainda melhor às expectativas que a vida tem de nós. A hiperconectividade digital e o isolamento emocional estão a impactar a qualidade dos vínculos emocionais que criamos hoje? Mariana: Acredito que sim. Precisamos de relações para nos sentirmos significativos. Isso não se resume a ter muitas ou poucas relações, mas sim a cultivar relações de qualidade. Por um lado, as redes sociais e esta conectividade digital permitem-nos encontrar comunidades, onde podemos também encontrar esse sentido. No entanto, isso não acontece de forma personalizada. O digital traz ou retira muitos elementos que são importantes nas interações presenciais, como o silêncio, o que não é dito, a incerteza e o confronto direto com o outro. Esse isolamento impede-nos, de certa forma, de descobrir várias partes de nós mesmos. Tornamo-nos muito seletivos na forma como nos mostramos e naquilo que procuramos. Não existe apenas um tipo de solidão; há diversas nuances. Assim como quando temos fome, podemos estar a precisar de proteínas, hidratos de carbono ou outros nutrientes, a solidão e o isolamento manifestam-se de várias formas. Precisamos de relações que satisfaçam essa fome emocional. Portanto, esta conectividade, de repente, deixa de ser personalizada e é orientada por fatores externos, em vez de ser guiada pelo que realmente desejamos e faz sentido para nós. Luísa: Exato, muitas vezes acabamos por nos conectar com aspetos do nosso inconsciente. Às vezes, procuramos informações sobre um tema específico ou relacionamo-nos com os outros em função da dor que estamos a sentir, em vez de responder às nossas verdadeiras necessidades naquele momento. Há um contacto com lados que não são tão positivos. É importante sublinhar o que a Mariana disse: o digital retira muito da interação olho no olho, do toque. Desde que nascemos, já sentimos o toque no útero, e este é fundamental para nós. O toque representa aconchego e conforto. Assim, muitas vezes, procuramos situações e conexões como uma forma de lidar com a dor que sentimos ou como uma fuga a ela, o que não é uma realidade saudável. Existe hoje um conflito existencial entre a necessidade de mantermos a nossa individualidade e a entrega emocional que a vinculação exige? Mariana: Eu acredito que existe, de facto, um conflito entre a necessidade de manter a nossa individualidade e a entrega emocional que as relações exigem. No entanto, esse conflito também pode surgir porque as relações autênticas e significativas que estabelecemos com os outros podem, paradoxalmente, reforçar o nosso espaço pessoal e a nossa noção de individualidade. Se, de alguma forma, nos deixamos confundir com o outro, ou se não temos a responsabilidade afetiva de delinear onde começa e termina cada um, torna-se muito difícil fazer essa separação. É essencial que haja espaço tanto para nós próprios como para o outro, reconhecendo que cada um tem uma vivência distinta. Temos a capacidade de criar um terceiro espaço que nos pertence, que é uma junção das nossas individualidades. Luísa: Exatamente, isso remete à construção de um projeto em conjunto. Como a Mariana mencionou, criamos uma terceira entidade, sempre respeitando o ‘eu’ e o ‘tu’, formando assim um ‘nós’. Contudo, na correria do dia a dia, essa dinâmica pode ser confundida. É aqui que entra o tema das necessidades. O que eu projetei no outro, o que espero da relação e o que estou disposto a dar, pode gerar confusões e causar desajustes emocionais a nível individual. O que é que a solidão nos ensina sobre nós mesmos e sobre o que procuramos nos outros? Mariana: Isto relaciona-se um pouco com o que mencionei há pouco sobre a fome. A verdade é que temos fome de várias coisas e podemos enfrentar défices nutricionais. Ocorre o mesmo nas relações. Temos necessidades emocionais básicas e inatas que são comuns a todas as pessoas. No entanto, a forma como construímos a nossa vida para dar resposta a essas necessidades depende da solidão de cada um. Portanto, sim, a solidão é muito contextual, variando conforme o ciclo de vida, a família, o círculo social, a cidade onde vivemos e as nossas atividades. Dentro do ciclo de vida de cada pessoa, a solidão tem significados completamente diferentes ao longo dos anos e é, de facto, mutável. Luísa: Eu olho para a solidão com muito carinho, e vou explicar porquê. Acredito que é uma das nossas maiores conquistas. Muitas vezes, confunde-se ‘sentir-me sozinho’ com ‘estar a sós’. Penso que viemos a este mundo para trabalhar em torno de dois pilares importantes: a solidão e a paciência. A solidão proporciona-nos a oportunidade de nos encontrarmos connosco próprios. Costumo perguntar aos meus pacientes: “Gosta da sua companhia?” E frequentemente, a resposta é como olhar para um espelho; nem sempre é fácil. A forma como encaramos a solidão pode ser uma oportunidade para termos tempo para nós, para fazermos as coisas que gostamos e para refletirmos, promovendo o encontro entre a nossa mente, o nosso id, ego e superego, o nosso diálogo interior. Essa relação connosco é saborosa. Por outro lado, se encararmos a solidão como uma falta ou uma carência, ela traz dor. Essa dor influencia a maneira como agimos, seja em dor ou em amor connosco, e é um dos pilares do amor-próprio. Como equilibrar a empatia e a compaixão pelo outro com a necessidade de nos protegermos emocionalmente? Mariana: Esta pergunta é muito interessante. Eu refleti sobre isso esta semana, e cheguei à conclusão de que tudo começa na forma como olhamos para o outro, seja como uma vítima ou, até, como alguém que se perdeu do seu próprio empoderamento. Quando encaramos outra pessoa como uma vítima, ou nos posicionamos como tal, podemos cair na armadilha de assumir um papel de salvador. Isso não significa que não devemos validar o nosso sofrimento e o do outro, mas, nesse cenário, tendemos a confundir a nossa dor com a dor da outra pessoa. Ao tentarmos “resgatar” alguém, fazemos isso através do nosso próprio referencial, sem realmente o empoderar. Quando empoderamos outra pessoa, lembramos-lhe que ela tem recursos próprios. A dor de cada um é distinta: “A minha dor é a minha dor; a tua dor é a tua dor.” Aqui estabelece-se um limite de segurança em relação à empatia, permitindo-nos não nos confundirmos. Por mais que as pessoas atravessem situações terríveis, é importante lembrar que não são vítimas; são sobreviventes. Luísa: Muitas vezes, na dinâmica de uma relação, identificamo-nos em papéis que podem causar confusão. Eu reconheço a minha dor e a dor do outro, mas a forma como interagimos pode distorcer esses papéis. Quando entramos numa relação com a mentalidade de “sobreviver” ou de “salvar”, corremos o risco de nos colocar num patamar superior, sem respeitar a individualidade e a dor do outro. Isso pode resultar numa perceção de superioridade ou, por vezes, assumir um papel de protetor, como se fôssemos uma figura parental. Essa confusão de papéis afasta-nos da verdadeira essência de uma relação, que deve ser baseada na igualdade e no respeito mútuo. Quais são os sinais de que uma vinculação emocional saudável se transformou numa dependência emocional prejudicial? Mariana: Esta é uma questão que tem uma resposta muito pessoal, pois os limites da nossa subjetividade variam de pessoa para pessoa. Por exemplo, eu posso ter uma bolha emocional maior, enquanto outra pessoa pode ter uma bolha mais pequena. O que define essa bolha? Quando é que deixo de me sentir livre? Quando é que sinto que já não posso expressar as minhas opiniões, os meus pensamentos e os meus sentimentos? Um aspetos que muitas vezes é confundido em casais é a questão do tempo que devem passar juntos. Algumas pessoas podem pensar que um casal não deve passar tanto tempo junto ou, pelo contrário, que deve passar mais tempo separado. No fundo, isso depende de cada pessoa e de cada casal. O importante é perceber se o tempo que passam juntos permite a cada um cultivar a sua individualidade ou não. Luísa: Vejo as relações como uma expressão da identidade de cada um e do modo como nos vemos. Cada relação é única e tem a sua própria dinâmica. Isso está relacionado com o que estou disposto a dar à relação, com os limites que estabeleço, com as minhas necessidades e com a capacidade de olhar para o outro de forma igual, respeitando esses limites e necessidades. É fundamental que, juntos, construamos o que faz sentido para nós. Assim, a questão do diálogo e da forma como nos tratamos é essencial para essas relações, dinâmicas e limites. O amor é muitas vezes associado à ideia de completude? Mariana: Quando falamos sobre o “eu” e o “tu”, o “nós” não é apenas uma soma simples. Aqui, 1 + 1 não é igual a 2; é mais 1 + 1 = 3. Luísa: Concordo totalmente. Quando os filhos entram na equação, fica ainda mais evidente. É importante perceber que estamos a construir algo com outra pessoa por escolha. E, se é uma escolha, precisamos estar disponíveis. Mas o que significa estar disponível? Significa ceder, mas também ter expectativas. O mais bonito é esse encontro e essa disposição de se abrir. Cada um de nós faz uma escolha na construção dessa terceira identidade. Como podem os casais lidar com padrões de vinculação incompatíveis ou que se tornaram disfuncionais ao longo do tempo? Luísa: A nossa capacidade de perceber quando algo já nos está a afetar é crucial. dor, para mim, também é reconhecer a dor do outro. Portanto, isso serve como um sinal de alerta de que precisamos de parar e olhar para a situação. É necessário estar disponível para isso. Ressignificar, sim. Quando escolhemos fazê-lo, a nossa perspetiva não é apenas um espelho. Precisamos de reconhecer que algo já não está a funcionar, mas o que realmente importa aqui? É o meu automatismo, que continua a gerar desconforto. Se eu conseguir perceber que há algo que posso mudar na minha forma de pensar, isso pode conduzir-me ao mesmo objetivo, que é ser feliz e ter uma relação saudável. No entanto, quando começamos a confundir questões e surgem outros gatilhos na relação, tudo se torna mais complicado. Mas, no fundo, tudo depende da disponibilidade e do grau de maturidade emocional de cada um. Se eu consigo reconhecer que algo não está a correr bem, a pergunta é: porquê? E para quê? Procuramos muitos “porquês”, e os padrões muitas vezes trazem consigo essas questões. É fácil cair numa posição defensiva, numa lógica de sobrevivência, e perder de vista a intenção de viver o melhor que podemos. Então, o que preciso de fazer para encontrar soluções? Não é isso que realmente desejamos? O impacto das expectativas familiares e sociais ainda é determinante no sucesso ou fracasso das relações amorosas? Mariana: O impacto das expectativas familiares e sociais no sucesso ou fracasso das relações amorosas depende muito do grau de autonomia que cada pessoa tem em relação à sua família e à sociedade. Refiro-me a como cada um se permite ser diferente das normas estabelecidas no seu núcleo familiar e na sociedade em geral. Até que ponto conseguimos encontrar a nossa paz e sobrevivência nessa diferença? Esta reflexão permite-nos questionar muitas coisas. Podemos dirigir a nossa vida como quisermos, tendo em mente um porto seguro, mas, muitas vezes, isso não acontece. O que acontece realmente varia conforme as dinâmicas familiares e a história de cada um. Luísa: É importante considerar a ligação que se estabelece com as famílias, ou seja, a relação que eu mantenho com a minha família e a que o meu parceiro tem com a dele. Até que ponto essas relações influenciam a escolha do meu companheiro? Isso varia significativamente de pessoa para pessoa. A terapia de casal é frequentemente vista como uma última tentativa de salvar a relação, mas, na verdade, deveria ser encarada como uma forma de desenvolvimento pessoal para ambos os elementos? Luísa: A terapia de casal ajuda a lidar com as crises e a encontrar ferramentas para enfrentar os desafios. Não se trata de resolver problemas, mas sim de apoiar o casal a lidar com os obstáculos que surgem. É importante perceber a dinâmica existente e quais são as “regras do jogo”. Vejo isto como um jogo: quais são as regras? O que é que cada parte está a trazer? Quais são as estratégias utilizadas? E, acima de tudo, qual é o objetivo? O objetivo deve ser “ganhar”, mas não de uma forma competitiva. A questão principal é a disponibilidade de cada um. Muitas vezes, as coisas não correm bem devido a questões de tempo ou à individualidade de cada um. Precisamos de entender quais são as estratégias que o casal tem para lidar com os obstáculos e potenciá-las. É claro que, ao mexermos na dinâmica do casal, estamos a mexer nas individualidades de cada um. Portanto, o nosso papel não é resolver, mas sim ajudar a encontrar soluções. Mariana: Queria acrescentar que, às vezes, os casais chegam à terapia muito tarde. Muitas vezes, não estamos prontos para ver as relações e as vivências emocionais como algo que pode ser trabalhado. Quando um casal procura terapia, é necessário construir a noção de que uma relação é algo que pode evoluir. Acredito que, por isso, muitas pessoas procuram ajuda apenas no limite e não pensam que a terapia pode ser uma ferramenta útil desde o início. Luísa: A terapia deve ser vista como uma promoção, tanto a nível individual como em casal. O nosso trabalho consiste em dar ferramentas e ajudar a definir valores e regras. O que fazemos é trabalhar a terceira identidade, construindo um projeto de vida em conjunto. Na vossa opinião, quais são os maiores desafios das relações hoje em dia? Luísa: Os maiores desafios têm a ver com os tempos de cada um, as vivências individuais e a forma como cada um projeta a sua vida. Também está relacionado com as expectativas que cada um deposita nas relações e os equilíbrios entre as nossas necessidades e as exigências individuais. Muitas vezes, é difícil conciliar uma vida a dois. Nós somos seres humanos com necessidades emocionais. Costumo dizer que viemos ao mundo para amar e ser amados. Existe uma urgência em receber amor e sentir-se amado. E há uma expectativa, por exemplo, num casamento, de que a outra pessoa deve cuidar de si. Contudo, a discrepância entre o que se espera e a realidade pode gerar dificuldades. Além disso, há a pressão de ser uma boa mãe, filha e profissional. Tudo isto impacta as nossas emoções e formas de pensar, tornando a busca por harmonia numa relação um grande desafio. Mariana: Também queria acrescentar a questão da sobrecarga de papéis. As redes de apoio estão cada vez mais curtas, o que faz com que os casais se sintam mais isolados. Se não têm uma rede familiar ou outro tipo de suporte, não conseguem sair do papel de pais e mães e viver como casal. Isto pode ser uma questão de carga horária ou da dificuldade de transitar entre os diferentes papéis que têm na vida. Luísa: Outro desafio é a pressão que sentimos para estarmos sempre 100% em tudo. Vivemos numa época em que se fala muito de empoderamento, mas isso pode ter um lado negativo. Quando nos focamos demasiado em nos fazer valer, podemos acabar por ter limites mais rígidos e a nossa empatia e disponibilidade para o outro ficam prejudicadas. Este esgotamento, especialmente quando se tem filhos, agrava ainda mais a situação. As pessoas têm, por vezes, dificuldade em identificar e expressar as suas emoções. Como promover a literacia emocional na sociedade e nas famílias? Luísa: A literacia emocional deveria ser obrigatória desde sempre. Acredito que um professor, um médico ou um farmacêutico deveriam ser formados neste sentido. Deveríamos ter, tal como temos um médico de família, um psicólogo de família. No entanto, estamos a viver uma fase de grande toxicidade no que diz respeito ao trabalho com as emoções, especialmente nas redes sociais. Trabalhamos com emoções e muitas vezes as pessoas usam a dor emocional dos outros para comunicar. É necessário olhar para as emoções de forma séria e verdadeira. O reconhecimento das emoções deve ser trabalhado desde cedo, integrado nos sistemas de saúde e escolar. Temos de falar do tema com a seriedade que ele merece. Mariana: A literacia emocional deve ser um trabalho a vários níveis. Para ser uma ferramenta útil, é preciso que existam sistemas saudáveis, como escolas e políticas que apoiem as famílias. Não podemos exigir que alguém seja mentalmente saudável quando a sociedade está doente. Um bom psicólogo é, acima de tudo, um bom ser humano? O que é que mais as apaixona nesta profissão? Luísa: Acredito que, como em qualquer profissão, cada profissional deve ser um bom ser humano, quer esteja na psicologia ou noutra área. Um psicólogo deve ser capaz de se autorregular e reconhecer as suas emoções. É importante distinguir a psicoterapia de outras práticas alternativas; o trabalho de um psicoterapeuta requer estudo e uma reflexão constante sobre si mesmo. O que mais me apaixona é a possibilidade de crescer diariamente com cada cliente e, ao mesmo tempo, ajudar as pessoas a encontrar as respostas e soluções que procuram para a sua vida. Mariana: Para mim, o que mais me fascina é ouvir as histórias das pessoas. Trabalhar com histórias de vida é uma experiência única. O psicólogo participa nessa história, criando uma relação terapêutica que permite à pessoa reencontrar-se. Cada sessão é uma viagem, e cada pessoa é única. É uma experiência enriquecedora. Morada: Tv. Cónego Dr. Manuel Faria 48, 4700-217 Braga Contactos: +351 927 456 565 (Luísa) +351 926947004 (Mariana) Facebook: Luísa: @psicologaluisaleal Heartfull: @HEARTFULL.BRAGA Instagram: Luísa: @luisaleal.heartfull Heartfull: @heartfull_gabinete_terapeutico Mariana: @partpsy “Não basta cuidar, é preciso inovar: a nova geração de idosos merece um futuro à altura das suas aspirações” “A nova era do fitness não é apenas sobre treinos, mas sobre experiências personalizadas e evolução pessoal”
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