Psicologia “Recomeçar é um ato de coragem. Como nos dizia Freud, só mudamos quando permanecer como estamos se torna uma dor insuportável” By Revista Spot | Maio 21, 2025 Junho 6, 2025 Share Tweet Share Pin Email Há momentos em que tudo à nossa volta parece igual, mas algo dentro de nós já mudou. Sentimos que já não pertencemos ao lugar onde estamos, que a pele antiga deixou de servir, que algo novo quer nascer, mesmo sem sabermos ainda o quê. É aí, segundo a psicóloga Edna Carvalho, que começa o verdadeiro recomeço: um sussurro interno que nos chama a seguir em frente, sem garantias, apenas com a certeza de que ficar já não é opção. Inspirada pelo trabalho dos Médicos Sem Fronteiras em África e pela experiência vivida na Índia, Edna é movida pela busca de sentido. Divide a sua missão entre consultas, ebooks e retiros, sempre com o propósito de ajudar cada pessoa a construir uma ponte entre o que viveu e o que ainda pode escolher ser. “Recomeçar não é esquecer o passado. É honrar a nossa história com coragem e deixar que a dor se transforme em caminho. “Recomeçar é um ato de coragem. Como nos dizia Freud, só mudamos quando permanecer como estamos se torna uma dor insuportável”, partilha. Que impacto tiveram os Médicos Sem Fronteiras e a Índia na forma como vê a psicologia? Desde pequena que dizia: “quero ajudar as pessoas”. Na altura, inspiravam-me os Médicos Sem Fronteiras, aquela coragem de chegar onde dói, onde falta tudo, e ainda assim levar humanidade. O que eu não sabia, é que naquele tempo já estavam a mostrar o caminho à menina que eu era: o de tocar vidas, mesmo em territórios de dor. Ensinaram-me, sem saber, que é possível atravessar fronteiras com amor, e hoje, é isso que faço com cada pessoa que chega até mim. Mais tarde, foi a Índia que me deu chão interno. Numa fase em que já era psicóloga, mas ainda não me sentia inteira, foi lá que tudo se ligou: a psicologia que estuda, a alma que sente e a espiritualidade que transcende. A Índia ensinou-me que curar não é só analisar, é escutar com o coração, é estar presente com compaixão, é confiar na sabedoria do invisível. Com a sua espiritualidade crua e bela, a Índia mostrou-me que a ajuda vai além do visível. Que o que cura nem sempre é dito, mas é sentido. E que existe um mundo inteiro dentro de cada pessoa à espera de ser reconhecido, escutado e amado. Hoje, vejo a psicologia como um caminho de regresso à essência. Uma ponte entre o que a pessoa viveu e o que pode escolher SER. É também por isso que nasceu a expressão Coração Corajoso, para dar voz a muitos corações que, mesmo em silêncio, procuram dentro de si o caminho de volta à vida. A minha missão é ajudar cada pessoa a escutar as partes que ainda choram em silêncio, para que, com amor e verdade, possam ser integradas, libertas e transformadas. Porque é quando damos voz ao que dói… que começamos a curar e a viver inteiras. Fala muito sobre a importância de arrancar a “raiz tóxica” dos problemas. O que são, afinal, essas raízes e de que forma afetam o nosso dia a dia? Ao longo da vida, especialmente na infância, criamos formas de interpretar o mundo para sobreviver emocionalmente. Essas interpretações, muitas vezes inconscientes, transformam-se em “raízes emocionais”. São crenças profundas, ligadas a momentos de dor, abandono, rejeição ou humilhação que nos fizeram sentir que não éramos suficientes, que não merecíamos amor ou que tínhamos que lutar para sermos vistos. Essas raízes tornam-se filtros invisíveis através dos quais olhamos para a vida, para os outros e para nós mesmas. São elas que sabotam os nossos relacionamentos, o nosso corpo, a nossa voz, a nossa coragem. E muitas vezes, vivemos dentro destes padrões sem sequer nos darmos conta, como se estivéssemos num sono profundo. Repetimos pensamentos, emoções e comportamentos herdados, por vezes de geração em geração, sem consciência de que estamos apenas a repetir a história emocional da nossa linhagem. Até que alguém desperta. Até que a consciência emerge, e com ela, a possibilidade de transformação. No meu trabalho, ajudo cada pessoa a identificar essas raízes, acolher com verdade o que ali está guardado, e libertar o que já não precisa de ser carregado. Porque só quando arrancamos a raiz da dor, é que abrimos espaço para plantar o que realmente queremos viver, o Amor. O que são as chamadas “crenças limitantes”? Como ajuda os seus pacientes a libertarem-se delas? As crenças limitantes são frases internas, muitas vezes inconscientes, que criámos para dar sentido a algo que nos doeu, mas que, com o tempo, passaram a limitar quem somos. São ideias como “não sou suficiente”, “tenho de me esforçar muito para ser amada”, “se for eu mesma, vou ser rejeitada”, ou “não posso confiar em ninguém”. Essas crenças não são defeitos, são mecanismos de defesa. Foram formas que o nosso sistema encontrou para sobreviver a histórias de dor, tristeza, abandono, raiva… E como foram tão usadas e reforçadas ao longo da vida, ficaram. Tornaram-se partes de nós. Já nem as sentimos como “vozes externas”, mas como verdades absolutas. Vivemos no automático, com o espírito da sobrevivência a comandar a nossa vida, sem dar conta disso. Até que algo desperta. Muitas vezes em situações muito complexas, de grande dor. E aí, podemos ter uma grande oportunidade de conseguir olhar para dentro de nós e sentir: isso que me ajudou tanto… agora já não me serve. No meu trabalho, facilito esse momento de viragem com muito amor e compaixão. Não se trata de apagar o passado, mas de libertar o que já não faz sentido carregar. O processo precisa de ser feito com profundo respeito, porque essas crenças, por mais dolorosas que sejam, foram as muletas que nos salvaram. Mas agora, manter essas muletas significa continuar a viver com dor… quando, como adultos, já só queremos viver com amor e paz. Libertar uma crença limitante é como abrir uma janela numa casa onde faltava ar. É voltar a respirar. É dar à alma a possibilidade de se reencontrar com a sua verdade, leve, inteira, livre. Existe alguma crença limitante que encontre com mais frequência nas pessoas? Sim. A mais comum, e talvez a mais silenciosa, é: “Não sou suficiente.” Ela pode surgir de muitas formas: “Não sou boa o suficiente.”, “Tenho de me esforçar mais para merecer amor.”, “Se mostrar quem sou, vou ser rejeitada.” Esta crença instala-se cedo, muitas vezes na infância, quando sentimos que precisávamos de fazer algo para sermos vistas, amadas ou reconhecidas. Pode nascer da exigência, da ausência emocional, da crítica ou de momentos em que o nosso sentir não teve espaço. E o mais curioso é que até pessoas aparentemente confiantes e realizadas podem carregar esta crença em silêncio. Não é por acaso que hoje existem tantos problemas ligados à baixa autoestima. Tantos cursos, livros e práticas sobre amor-próprio. Porque, no fundo, há um chamamento coletivo a resgatar algo que foi perdido: a conexão com a nossa essência antes da ferida. É por isso que no processo terapêutico convido cada pessoa a encontrar dentro de si a criança que existia antes da dor, aquela parte espontânea, sensível, viva. Para que possamos cuidar dela agora com presença, inteligência emocional e compaixão. E assim, com tempo e verdade, ir substituindo a crença de “não sou suficiente” por algo muito mais real e libertador: “Eu sou suficiente. Como sou. Mesmo com falhas. Mesmo nos dias em que me esqueço disso.” Como é que a espiritualidade contribui para o processo de cura, autoconhecimento e transformação pessoal? Para mim, a espiritualidade não é algo separado da vida, é aquilo que dá sentido ao que vivemos. É o que nos permite olhar para uma dor e perguntar: “O que é que isto me veio ensinar?” É o que nos ajuda a ver para além da superfície, a tocar o invisível que sustenta as nossas escolhas, relações, bloqueios e curas. E aqui é importante dizer: espiritualidade não é religião. É expansão de consciência. É reconhecer que há muito mais além do visível. A própria ciência quântica mostra-nos que existem múltiplos planos, campos e frequências que ainda não compreendemos, mas que podemos sentir. Nesse mesmo sentido, o olhar da teoria sistémica ensina-nos que ninguém está sozinho. Carregamos histórias, padrões, dores e forças da nossa linhagem, mesmo sem saber. E é também espiritualidade quando escolhemos honrar quem veio antes, curar o que nos chegou e permitir um novo destino a partir do amor consciente. A espiritualidade, para mim, é esse reencontro. É a lembrança de que mesmo no meio da dor… há luz. Mesmo depois de tantas quedas… há recomeço. E mesmo com todas as feridas… há sempre espaço para o amor. Acredita que todos temos os recursos para sermos felizes. Como ajudar alguém a redescobrir essa força interior? Acredito profundamente nisso. Aliás, é por isso que amo tanto o que faço. Porque o meu papel não é “dar respostas”, é ajudar cada pessoa a lembrar-se daquilo que já é. Muitas vezes, estamos tão mergulhados na dor, nos medos e nas exigências internas, que esquecemos a nossa luz. A criança interior que sonhava, confiava, criava… vai sendo abafada por camadas de sobrevivência. O que eu faço, em cada sessão, em cada retiro, em cada partilha, no meu e-book, é abrir espaço para que essa pessoa possa voltar a si. Voltar ao corpo, às emoções, à verdade. Escutar-se sem julgamento. Acolher-se com amor. Redescobrir-se com coragem. E, acima de tudo, olhar para a dor, dar-lhe um nome, um lugar, uma voz. Criar espaço para que essa dor possa ser expressa, sentida e ressignificada. Escolher fazer esse caminho é um ato de profunda força interior. É dizer à vida: “Eu quero seguir mais leve. Eu mereço viver mais inteira.” Porque a força já está em nós. Só precisa de um espaço seguro… para emergir. Fala muito sobre recomeços. Como transformar uma dor ou um momento difícil numa oportunidade de renascimento? Recomeçar é um ato de coragem. Como nos dizia Freud, só mudamos quando permanecer como estamos se torna uma dor insuportável. Mas esse ponto de viragem é diferente para cada um de nós. Cada pessoa tem o seu tempo, o seu jeito, a sua história. E isso merece ser respeitado. Porque as feridas que carregamos moldam a nossa tolerância, o nosso ritmo, o nosso modo de reagir à dor. Por isso, nunca devemos julgar o caminho do outro. Nem compará-lo ao nosso. Cada recomeço é único, e não é melhor nem pior. É simplesmente verdadeiro. E é por isso que as histórias reais de superação tantas vezes parecem milagres aos olhos de quem as escuta. Porque foram vividas com a única força que muda verdadeiramente uma vida: a coragem. A escala da consciência, proposta por David Hawkins, mostra-nos que é a partir da coragem que tudo muda. É o ponto de transição entre o medo que paralisa e o amor que expande. Renascer começa com um gesto: O de escolher ver a dor — sem se aprisionar nela; De sentir com verdade — sem se fundir com o sofrimento; De lembrar que a vida está dentro, mesmo quando tudo parece parado por fora. O amor é o solo onde tudo pode ser refeito. Mas é a coragem que planta a primeira semente. Na sua visão, quais são os maiores desafios emocionais da vida moderna e de que forma isso afeta a nossa saúde mental e relações? O maior desafio é lembrarmo-nos que somos humanos. Num mundo que nos exige produtividade constante, esquecemo-nos que, tal como a natureza, também somos feitos de ciclos. A natureza tem quatro estações, e nenhuma se apressa. Cada fase respeita o tempo da outra. Mas nós, humanos, perdemos essa sabedoria. Vivemos como se tivéssemos de estar sempre no verão: em alta energia, a dar 100%, 110%, todos os dias. E quando o outono chega, quando o nosso corpo ou emoções pedem pausa… chamamos de fraqueza. Mas não é fraqueza. É limite. E respeitar o limite é, talvez, o maior ato de amor-próprio dos nossos tempos. Quando não o fazemos, surge o colapso: depressões, burnouts, ansiedades, vazios existenciais. Porque o corpo já não sente. Foi silenciado por tanto tempo que deixou de confiar que seria ouvido. A saúde mental está a pagar uma fatura altíssima por isso. Somos levados a funcionar como máquinas, mas máquinas não têm alma. E nós temos. A verdadeira saúde emocional requer equilíbrio: yin e yang. A energia de ação com a energia do sentir. A força com a vulnerabilidade. O fazer com o parar. Se vivermos só num dos lados, adoecemos. E o impacto não é apenas interno. Ele ecoa nas relações: Se não estamos ligados a nós, como vamos ligar-nos ao outro? Como vamos amar de forma verdadeira, se vivemos desconectados do nosso próprio sentir? Acredito que o maior desafio da vida moderna é este: Sermos fiéis a nós mesmos, mesmo quando o mundo nos empurra para ser outra coisa. E não esquecer: está tudo bem em ter limites. Está tudo bem em ser humano. Porque quando respeitamos o nosso ritmo, criamos espaço para viver com mais verdade, e amar com mais presença. A história de Thomas Edison é inspiradora e a Edna usa-a como metáfora para a persistência. Se pudesse deixar uma única mensagem para quem está a passar por um momento difícil agora, qual seria? A dor não é um erro. Às vezes, é o convite mais silencioso e mais sagrado para o nosso maior encontro connosco próprios. Não é preciso ser forte o tempo todo. É preciso sermos honestos. Ficar. Respirar. Sentir. Sem fugir de nós. Sem abandonarmos outra vez. Resiliência não é resistir. É florescer depois da queda. É reconhecer que continuar mesmo a tremer, já é um milagre. Carl Jung dizia que a luz nasce quando abraçamos a sombra. E é nesse abraço que começamos a voltar: Para casa. Para o nosso corpo. Para a nossa verdade. Edison tentou 2.000 vezes não porque falhou, mas porque acreditava. E nós? Podemos tentar só mais uma vez? Mesmo cansados. Mesmo sem saber como. Dar mais um passo. Talvez não seja o passo final. Mas pode ser aquele que muda tudo. Porque o Nosso Coração é Corajoso. E ele ainda acredita em Nós. Morada: Rua Adriano Pinto Basto, 228, 1º Andar, sala 8, 4760-114 V.N. Famalicão Site: ednacarvalho.pt Facebook: Psicologia e Hipnose Clínica, Edna Carvalho Instagram: ednacarvalho_psicologia WhatsApp: +351 918 504 145 HOPEN 2025: O beer fest mais famoso do país está de regresso a Braga “Tudo o que ensino ou partilho com os outros vem da vida que vivi, não é teoria. É vivência, é história, é alma”
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