Cirurgia “O ombro e o cotovelo são engenharia viva, cada cirurgia bem-sucedida devolve ao corpo a liberdade perdida” By Revista Spot | Outubro 6, 2025 Outubro 9, 2025 Share Tweet Share Pin Email Quase invisíveis no dia-a-dia, o ombro e o cotovelo sustentam movimentos que parecem banais: vestir uma camisola, carregar um saco de compras, praticar desporto ou simplesmente dar um abraço. Só quando falham percebemos a sua verdadeira importância. Hoje, a ortopedia está a atravessar uma das maiores transformações da sua história. O planeamento cirúrgico digital em 3D permite precisão milimétrica, as próteses inversas devolvem mobilidade a doentes sem alternativas, as terapias biológicas procuram regenerar tecidos em vez de os substituir e a inteligência artificial começa a apoiar diagnósticos e decisões clínicas. Em simultâneo, fenómenos contemporâneos, como o sedentarismo do teletrabalho e o boom do fitness e do desporto de alta intensidade, estão a criar novos padrões de lesão e a exigir estratégias de reabilitação mais sofisticadas. Luís Henrique Barros, especialista em cirurgia do ombro e do cotovelo, é rosto de uma ortopedia em mudança: tecnológica e global, sem abdicar da essência humana que dá sentido à medicina. De que forma o contacto com grandes nomes internacionais da ortopedia do ombro moldou a sua identidade como cirurgião e influencia hoje o tratamento dos seus doentes? Tive o privilégio de estagiar com dois dos maiores nomes da cirurgia do ombro: o Professor Pascal Boileau, em Nice, e o Professor George Athwal, no Canadá. Com o Professor Boileau aprendi sobretudo a tratar instabilidades e a realizar próteses invertidas, áreas em que é uma referência mundial. Já com o Professor Athwal aprofundei o domínio das cirurgias complexas de revisão protésica e do tratamento das roturas da coifa dos rotadores. Estes contactos foram decisivos para a minha identidade profissional, porque me permitiram integrar abordagens diferentes e complementares. Hoje, em Portugal, aplico diariamente esses ensinamentos, procurando conjugar a inovação aprendida em Nice com o rigor técnico e científico adquirido no Canadá, sempre com o objetivo de oferecer aos doentes soluções avançadas e personalizadas. Quais são atualmente as patologias do ombro e do cotovelo mais frequentes em Portugal, desde lesões desportivas até degenerativas, e que desafios trazem ao nível do diagnóstico, tratamento e reabilitação? As patologias mais comuns do ombro incluem as roturas da coifa dos rotadores, as instabilidades, muitas vezes associadas à prática desportiva, e a artrose, que afeta sobretudo doentes mais idosos. No cotovelo, destacam-se a epicondilite e as lesões ligamentares, frequentes em atletas e em profissões com movimentos repetitivos. O diagnóstico pode ser desafiante, pela necessidade de distinguir lesões degenerativas, como a artrose ou roturas crónicas, de situações traumáticas ou desportivas agudas, o que exige uma avaliação clínica minuciosa e exames de imagem adequados. O tratamento deve ser sempre personalizado, começando por opções conservadoras, como fisioterapia ou infiltrações, e avançando para cirurgia quando necessário. A reabilitação é frequentemente a etapa mais exigente, mas também a mais determinante para recuperar a função e a qualidade de vida. Na sua experiência, que importância têm os tratamentos não invasivos – da fisioterapia às infiltrações e programas de reabilitação – na recuperação das lesões do ombro e cotovelo, e até que ponto podem evitar ou adiar a cirurgia?” Na minha prática clínica, valorizo muito as opções não invasivas no tratamento das lesões do ombro e do cotovelo. A fisioterapia especializada, os programas de reabilitação personalizados e as infiltrações ecoguiadas são ferramentas fundamentais, capazes de controlar a dor, recuperar mobilidade e, em muitos casos, evitar ou adiar a cirurgia. Muitas roturas parciais da coifa dos rotadores, por exemplo, podem estabilizar com um plano estruturado de reabilitação, permitindo ao doente recuperar função de forma duradoura. Também em situações de síndrome do conflito ou de epicondilite, a resposta a um programa conservador é frequentemente muito positiva. A minha abordagem é sempre escalonada: privilegiar primeiro o tratamento conservador e reservar a cirurgia para os casos em que este não resulta. Assim, consigo oferecer ao doente um percurso terapêutico mais equilibrado e personalizado. Quais são as inovações mais disruptivas na cirurgia do ombro e do cotovelo que já estão a transformar o prognóstico dos doentes? Nos últimos anos, a cirurgia do ombro e do cotovelo transformou-se profundamente. As próteses inversas mudaram por completo o tratamento da artrose com rotura da coifa dos rotadores, devolvendo função a doentes que antes tinham poucas alternativas. Outro avanço decisivo é o planeamento com software 3D, que permite criar guias personalizadas para cada caso, aumentando a precisão cirúrgica e reduzindo complicações, exatamente como já se faz nos melhores centros internacionais. Também na cirurgia da instabilidade do ombro, as técnicas evoluíram de forma notável. Um exemplo marcante foi o de um atleta de padel de 38 anos, com episódios repetidos de luxação do ombro direito, que condicionavam dor, insegurança e perda de desempenho competitivo. Após estudo detalhado com TAC 3D, identifiquei uma perda óssea significativa da glenoide, pelo que realizámos uma operação de Latarjet por via artroscópica, uma técnica minimamente invasiva que combina fixação óssea com reconstrução capsular, permitindo restaurar a estabilidade articular com total preservação da mobilidade. Este tipo de cirurgia, outrora reservada a centros de referência, é hoje uma realidade em Portugal. A artroscopia avançada e o desenvolvimento de âncoras e implantes mais resistentes permitem tratar roturas e instabilidades complexas com resultados duradouros e recuperações cada vez mais rápidas. Estas inovações tornaram possível oferecer aos doentes tratamentos altamente personalizados, com níveis de precisão e previsibilidade que há poucos anos seriam impensáveis, sempre com o mesmo objetivo final: devolver movimento, força e confiança. Que potencial têm terapias como plasma rico em plaquetas, células estaminais e enxertos biológicos na reparação de lesões complexas e até que ponto poderão no futuro evitar próteses? A regeneração tecidular e a biotecnologia representam uma das áreas mais promissoras da ortopedia moderna. O uso de plasma rico em plaquetas, de células estaminais e de enxertos biológicos tem como objetivo potenciar a cicatrização natural dos tecidos, melhorar a qualidade da reparação e, em alguns casos, atrasar a evolução de lesões degenerativas. Nos últimos anos, a investigação mostrou resultados encorajadores, sobretudo em roturas da coifa dos rotadores e em situações de artrose inicial. No entanto, ainda estamos numa fase em que estas técnicas funcionam mais como complemento ao tratamento cirúrgico ou conservador do que como substituto definitivo. No futuro, é expectável que a evolução da biotecnologia permita reduzir a necessidade de próteses em alguns casos, mas, para já, a sua aplicação deve ser feita de forma criteriosa, em doentes bem selecionados. Da impressão 3D à inteligência artificial, passando pelo planeamento cirúrgico digital e pela reabilitação assistida por tecnologia, que inovações têm hoje impacto real na ortopedia e quais continuam a ser mais futuro do que presente? Algumas destas tecnologias já fazem parte do meu quotidiano. Realizo planeamento cirúrgico digital com software 3D em todos os doentes em que coloco uma prótese, o que me permite preparar e adaptar cada detalhe da cirurgia e utilizar guias personalizadas que aumentam a precisão e a segurança do procedimento. A impressão 3D começa também a ter aplicação prática concreta na ortopedia, e recorro frequentemente a esta tecnologia nos casos mais complexos, para planear melhor a cirurgia e antecipar eventuais dificuldades. Muitas vezes, utilizo ambas as ferramentas em conjunto, o planeamento digital e a impressão 3D. Tive recentemente o caso de uma doente com artrose muito avançada do ombro, com deformidade acentuada da glenoide. O software 3D permitiu-me planear a cirurgia ao milímetro, identificar as zonas de desgaste e, posteriormente, imprimir em modelo físico a anatomia da doente e o guia cirúrgico personalizado. Graças a esse planeamento, consegui colocar a prótese com precisão ótima e total correção da deformidade, o que antigamente seria extremamente desafiante sem este tipo de tecnologia. Por outro lado, a reabilitação assistida por tecnologia, com dispositivos que monitorizam os movimentos e orientam os exercícios, é uma área em franca expansão e com impacto direto na recuperação funcional dos doentes. Sempre que possível, procuro colaborar com clínicas e fisioterapeutas que utilizam estes sistemas, porque permitem acompanhar a evolução de forma objetiva e motivar o doente ao longo do processo. Em Portugal, ainda estamos a dar os primeiros passos nesta área, mas os resultados iniciais são muito promissores. Relativamente à inteligência artificial, utilizo-a já no dia a dia como ferramenta de apoio na análise de imagens, na organização de dados clínicos e até no planeamento cirúrgico, embora ainda seja, por agora, sobretudo uma promessa. Acredito, no entanto, que terá um papel decisivo no diagnóstico e na personalização dos tratamentos num futuro muito próximo. Todas estas inovações têm um denominador comum: tornam a ortopedia mais precisa, mais previsível e, acima de tudo, mais centrada no doente, permitindo-nos planear, executar e reabilitar com segurança e confiança crescentes. Colaborou em campeonatos mundiais e com federações desportivas. Que diferenças observa entre tratar atletas de elite e praticantes recreativos e que ensinamentos do alto rendimento aplica no doente comum? Trabalhar com atletas de alta competição ensinou-me a importância do rigor absoluto: diagnóstico rápido, tratamento preciso e reabilitação eficaz. Essa experiência moldou a forma como trato todos os meus doentes. Muitos são verdadeiros “atletas do dia-a-dia”, profissionais da construção civil, fábricas ou outros trabalhos fisicamente exigentes, que precisam de recuperar rápido para continuar ativos. Outros, apesar de terem profissões sedentárias, praticam desporto de alta intensidade, como Ironman, CrossFit ou padel, muitas vezes em idades superiores às dos atletas de elite. O que aprendi no desporto profissional aplico a todos: olhar cada caso com a mesma exigência e dedicação, garantindo que regressam ao seu nível máximo, seja no campo de jogo ou no trabalho quotidiano. Sabemos hoje que a dor é também neurológica e emocional. Como é que esta visão integrada tem transformado a ortopedia, da cirurgia à reabilitação? O que mais me impressiona na ortopedia é que a mesma cirurgia pode ter resultados completamente diferentes em doentes distintos. Isso acontece porque a dor não é apenas mecânica: envolve também fatores neurológicos e emocionais que influenciam de forma decisiva a recuperação. É por isso que não basta reparar um tendão ou substituir uma articulação. Para obter o melhor resultado, integro sempre uma equipa de excelência, com os melhores anestesistas, fisiatras, fisioterapeutas, médicos de dor e reumatologistas. Esta abordagem multidisciplinar permite adaptar o tratamento às necessidades de cada pessoa, potenciar a recuperação e reduzir ao máximo o risco de dor persistente. O objetivo final é claro: devolver cada doente à sua vida ativa com confiança, autonomia e qualidade de vida. Entre o sedentarismo potenciado pelo teletrabalho e o crescimento do fitness, das corridas de rua e dos desportos de alta intensidade, que impacto tem esta dualidade nas patologias do ombro e cotovelo e que desafios coloca à ortopedia? No meu consultório vejo todos os dias os dois extremos: doentes que passam horas ao computador e chegam com dor crónica e rigidez, e outros que praticam desportos de alta intensidade e desenvolvem roturas ou instabilidades, muitas vezes em idades mais avançadas. Perguntam-me muitas vezes: “Qual é o melhor desporto para o ombro?” A resposta é simples: o melhor exercício é aquele que a pessoa vai realmente praticar. Retirar alguém do sedentarismo é o primeiro passo, e é aí que acontecem algumas das transformações mais marcantes que presencio na minha prática clínica. Já acompanhei doentes que aproveitaram uma lesão como ponto de viragem, passando de totalmente sedentários a praticantes regulares de exercício. Em vários casos, a recuperação do ombro tornou-se o catalisador para uma mudança profunda de estilo de vida, mais ativa, saudável e disciplinada. Já no outro extremo, entre os que praticam muito desporto, o desafio é diferente: prevenir e otimizar. O que aprendi com atletas de elite aplico a todos os doentes: planos personalizados, reabilitação diferenciada e educação contínua. Tenho inúmeros casos em que, após o tratamento cirúrgico e a respetiva reabilitação, o próprio doente regressa ao consultório a dizer-me, com satisfação genuína, que hoje levanta mais peso do que antes da lesão. Essa é, para mim, uma das maiores recompensas da medicina: ver um ombro não apenas curado, mas renascido, a permitir ao doente viver com mais força e confiança do que antes. Durante muito tempo a ortopedia foi associada sobretudo à cirurgia. Que papel têm hoje a prevenção, a literacia em saúde e a educação do paciente na evolução da especialidade? Durante anos, muitos olharam para a ortopedia apenas como a arte de operar. Hoje, porém, está cada vez mais claro que o futuro da especialidade passa pela prevenção e pela educação em saúde. Explicar ao doente a importância da postura correta, de manter um peso saudável e de praticar exercício físico adaptado à sua realidade é tão ou mais importante do que operar. Acredito que a literacia em saúde é determinante: quanto mais informado estiver o doente, mais rapidamente procura ajuda e melhor cumpre os programas de tratamento e reabilitação. O meu objetivo é sempre capacitar cada pessoa a ser protagonista da sua própria recuperação. A ortopedia moderna não se limita a reparar lesões; procura sobretudo evitar que elas aconteçam, promovendo estilos de vida que mantêm o ombro e o cotovelo saudáveis ao longo do tempo. Enquanto professor convidado e formador, que competências considera essenciais para os jovens ortopedistas que querem ser cirurgiões de excelência numa era de medicina cada vez mais tecnológica e globalizada? As novas tecnologias vão ser, sem dúvida, uma ferramenta fundamental no futuro da ortopedia. Mas para um jovem ortopedista que queira ser cirurgião de excelência, o primeiro passo é sempre dominar os fundamentos: conhecer profundamente a anatomia, pensar bem clinicamente e executar com precisão a técnica cirúrgica. Só assim a tecnologia acrescenta valor. Acredito também que é essencial cultivar a curiosidade científica e procurar experiências internacionais, que abrem horizontes numa medicina cada vez mais global. No entanto, há princípios que nunca mudam: humildade, ética e dedicação ao doente. Tratar cada pessoa com rigor e respeito é o que distingue verdadeiramente um cirurgião. É isso que procuro transmitir às novas gerações, porque só assim formarão a ortopedia do futuro. Entre casos clínicos, publicações e distinções recebidas, quais foram os momentos que mais o marcaram, seja pela dificuldade técnica, impacto humano ou reconhecimento profissional? Ao longo da minha carreira vivi momentos que me marcaram profundamente, seja pela complexidade técnica das cirurgias, seja pelo impacto humano que tiveram. Há casos em que consigo devolver mobilidade a um doente que já não acreditava ser possível voltar a trabalhar ou praticar desporto, e esses são, sem dúvida, os marcos mais gratificantes. No plano académico, tive a oportunidade de publicar e apresentar trabalhos em congressos nacionais e internacionais, experiências que me permitiram crescer e partilhar conhecimento com colegas de todo o mundo. Entre as distinções, destaco o Prémio Vieira Braga da Sociedade Portuguesa do Ombro e Cotovelo (SPOC), que me abriu portas à formação internacional e consolidou a minha identidade como cirurgião. Cada um destes marcos, à sua maneira, contribuiu para me tornar o cirurgião que sou hoje. Se tivesse de antecipar, quais serão as grandes transformações da ortopedia do ombro e cotovelo na próxima década? Na próxima década acredito que a cirurgia robótica vai continuar a crescer e chegar finalmente à cirurgia do ombro em Portugal, trazendo maior precisão e consistência aos resultados. Teremos também softwares de diagnóstico e de planeamento cirúrgico cada vez mais avançados, capazes de apoiar decisões clínicas e otimizar cada etapa da cirurgia. Vejo igualmente um futuro muito promissor nas terapias regenerativas, como células estaminais, fatores de crescimento e engenharia de tecidos, que poderão adiar ou até evitar a necessidade de prótese em muitos doentes. Relativamente às próteses inteligentes e às próteses totalmente personalizadas (“custom made”), acredito que serão uma realidade importante no futuro, mas provavelmente ainda não de forma generalizada nesta próxima década. O rumo é claro: uma ortopedia cada vez mais tecnológica, mas sempre centrada em dar ao doente soluções seguras e adaptadas à sua realidade. Instagram: @dr.luishenriquebarros Facebook: Dr. Luís Henrique Barros Site: ortopedistaluishenriquebarros.pt “Uma ligeira alteração no pé pode ser o primeiro sinal de uma doença, influenciar a postura e, em alguns casos, até salvar vidas” “A integração entre medicina estética e medicina integrativa mostra-nos que o healthy aging é o novo anti-aging”
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