SAÚDE “No nosso cólon vivem 100 mil vezes mais bactérias do que pessoas no planeta. Não somos só o que comemos, somos também o que as bactérias no nosso corpo fazem com os alimentos que consumimos” By Revista Spot | Junho 8, 2025 Junho 11, 2025 Share Tweet Share Pin Email Será que conseguimos mesmo mudar a nossa microbiota? Temos um universo vasto e complexo dentro de nós, com trilhões de bactérias, vírus e fungos a interagir, a comunicar e a moldar o nosso corpo e mente. Um verdadeiro ecossistema que influencia não só o nosso sistema digestivo, mas também o nosso cérebro, o nosso sistema imunitário e até o nosso estado emocional. Nas últimas décadas, a investigação em gastrenterologia tem revelado esta teia de conexões que abre novas portas para o entendimento da saúde humana. Nesta entrevista, o médico Gastrenterologista Rui de Sousa Magalhães conduz-nos pelo fascinante mundo da microbiota intestinal, desvenda mitos, explica avanços no diagnóstico e tratamento de doenças do sistema digestivo e ajuda-nos a perceber até que ponto podemos influenciar esse pequeno universo dentro de nós. Uma conversa que explora temas importantes como a síndrome do intestino irritável, a importância dos probióticos, o papel do intestino na obesidade e no metabolismo, e as implicações da saúde intestinal no bem-estar psicológico, integrando conhecimento científico e práticas clínicas. Afinal, temos ou não o poder de mudar a nossa microbiota intestinal? Existem 100.000 vezes mais bactérias no cólon do que pessoas no planeta Terra. A microbiota é o grupo de bactérias, fungos e vírus que habitam no nosso intestino. Nos primeiros três anos de vida criamos e diversificamos a nossa microbiota de forma mais permanente. Fatores como o tipo de parto (eutócico/vaginal vs. cesariana), o tipo de aleitamento (materno vs. leite de fórmula), a introdução adequada de alimentos sólidos, o uso de antibióticos e o ambiente de contato com outras pessoas têm um impacto duradouro na nossa microbiota. Ou seja, é verdade que não conseguimos mudar a nossa microbiota por inteiro na vida adulta, chama-se a isto memória ecológica. Nunca vamos ter a microbiota de um homem recolector, que consegue digerir raízes cruas, com mudanças na nossa dieta. Contudo, apesar de a microbiota se estabilizar, ela mantém um certo grau de plasticidade, sendo responsiva ao ambiente. A parte menos boa é que é mais fácil piorá-la do que melhorá-la. Certas bactérias boas da nossa microbiota são denominadas sensíveis: com certa facilidade são eliminadas, sendo que a sua reposição é muito difícil. O uso repetido de antibióticos, as doenças inflamatórias intestinais e uma dieta pobre em fibras são alguns exemplos de situações em que está em causa a diversidade da nossa microbiota. Diversificar de forma consistente a nossa microbiota é um desafio, mas pode ser alcançado através de mudanças duradouras e regulares no estilo de vida. Uma alimentação rica em fibras prebióticas, presentes em leguminosas como feijão, lentilha e grão-de-bico, frutas como banana verde, maçã, pera e frutos silvestres, assim como vegetais (brócolos, couve, alho, cebola) e cereais integrais como aveia, cevada e trigo, é fundamental, pois a diversidade da microbiota está diretamente ligada à variedade dessas fibras na dieta. Além disso, o consumo de alimentos fermentados, como kefir, kimchi e kombucha, contribui para melhorar o ambiente intestinal e estimular o crescimento de bactérias benéficas. É igualmente importante reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados e adoçantes, praticar atividade física regularmente, garantir um sono adequado e evitar o uso excessivo de determinados medicamentos, como antibióticos e inibidores da bomba de protões, que podem prejudicar o equilíbrio da microbiota. As boas notícias são que se mudar a nossa microbiota é difícil, modular o nosso microbioma não. O microbioma inclui as substâncias que são produzidas pela nossa microbiota. Desde ácidos gordos de cadeia curta (como o butirato), neurotransmissores como a serotonina, vitaminas, toxinas, entre outros. 40% dos metabólitos sanguíneos advém da microbiota. A mesma bactéria desempenha funções diferentes, dependendo do “combustível”. Se a alimentamos com fibras prebióticas, produz butirato, um ácido gordo de cadeia curta com capacidades anti-inflamatórias. Se a alimentamos com gorduras saturadas e açúcares em excesso, ela pode produzir toxinas com teor inflamatório. Muitos dos efeitos clínicos mais positivos vêm da função microbiana, e não apenas da presença de certas espécies. Portanto, as medidas que falamos antes, que têm um impacto positivo, mas ténue na diversidade da microbiota, têm um impacto muito mais notório no microbioma. São semânticas, o que interessa mesmo é comer vegetais! O nosso intestino é a nossa impressão digital? É verdade que cada um de nós tem uma microbiota com assinatura única? É verdade, a microbiota é a impressão digital do cada intestino. Ajuda encarar a microbiota como um órgão vital como o fígado ou o coração. Não és só o que comes, és o que a tua microbiota faz com o que comes. Duas pessoas podem consumir exatamente os mesmos alimentos e, no entanto, apresentar respostas diferentes devido à composição distinta da sua microbiota. No que diz respeito às respostas metabólicas, essa diversidade influencia o controlo da saciedade o metabolismo das gorduras e dos açúcares, o que tem impacto no risco de desenvolvimento de obesidade e diabetes. Além disso, pode explicar algumas intolerâncias alimentares associadas a sintomas como inchaço e distensão abdominal. No plano emocional a microbiota também tem um papel importante. O risco de ansiedade, depressão e burnout é influenciado pela sua modulação do nervo vago, que faz parte do eixo cérebro-intestino, e da produção de neurotransmissores como o GABA, a serotonina e a dopamina. Por fim, relativamente às respostas patológicas, existem evidências que indicam que a microbiota pode influenciar o risco de doenças autoimunes, como artrites, lúpus e esclerose múltipla, assim como de doenças crónicas, incluindo a diabetes tipo 2, Alzheimer, alguns tipos de cancro e doenças cardíacas. A microbiota pode afetar ainda a resposta do organismo a diversas infeções, sejam elas bacterianas ou virais. Já sabemos que o stress desregula o intestino, mas o contrário também é verdade? A saúde intestinal pode influenciar estados como ansiedade, depressão ou até burnout? Existem mais de 500 milhões de células nervosas no intestino (sistema nervoso entérico), número similar à medula espinhal (órgão do sistema nervoso central, juntamente com o cérebro). Um “segundo cérebro” que funciona de forma semi-independente controlando a digestão, motilidade intestinal, secreções digestivas, etc. Uma percentagem enorme de impulsos sensoriais passa pelo intestino antes de chegar ao cérebro. É ingénuo excluir a possibilidade de o intestino poder influenciar o seu processamento. Existe uma relação bidirecional entre cérebro-intestino. O cérebro pode comandar o intestino, contudo o intestino também molda a nossa forma de processar informação. É claro que o sistema nervoso entérico não compõe poesia, nem resolve equações complexas, mas tem um papel importante na regulação do sistema nervoso central. Dá sentido à expressão “gut feeling”. Ao falar do eixo cérebro intestino é importante mencionar o nervo vago (X nervo craniano), o elo de ligação principal. Aqui também verificamos uma relação bidirecional: 80–90% da informação é transportada em sentido ascendente (do intestino para o cérebro) e 10–20% em sentido descendente (do cérebro para o intestino). A microbiota também tem sempre algo a acrescentar. A microbiota intestinal modula a atividade do nervo vago, o que afeta o humor e o stress. Como interlocutores nesta conversa temos neurotransmissores como a serotonina, a dopamina, o GABA e hormonas como o cortisol. Já agora, 90% da serotonina associada ao bem-estar é produzida no intestino nas células enteroendócrinas. Lembro-me sempre de uma experiência feita neste contexto: transferiu-se microbiota fecal de um ratinho sociável para um rato anedónico/depressivo e sem apetite. Passou este último a demonstrar um comportamento interativo saudável. Não deixando de ser um caso de evidência anedótica, é interessante. Para quem está saudável, faz sentido tomar probióticos “por prevenção”? A resposta mais rápida é que não. O uso de probióticos altera apenas temporariamente e de forma não consistente a nossa diversidade da microbiota. Quem está saudável vai sempre tender para a sua microbiota habitual. O uso dos probióticos tem um efeito mais importante no restabelecimento da microbiota normal em situação de doença do que propriamente melhorá-la em situação de saúde. E já agora, os probióticos não são todos iguais, certas bactérias boas tem indicação em certas situações específicas, é sempre importante consultar um médico. A Síndrome do Intestino Irritável afeta milhões, mas ainda levanta dúvidas. Estamos a diagnosticar melhor ou a banalizar sintomas? A SII afeta 5% da população mundial, principalmente jovens do sexo feminino. É uma doença comum, muitas vezes desvalorizada, por não ser uma patologia orgânica com consequências graves, tendo bom prognóstico e não influenciando a esperança média de vida. Contudo, tem impacto notório na saúde mental, na qualidade de vida, na interação social e no trabalho. Um estudo clínico em qualidade de vida chegou à conclusão que um grupo de utentes com o diagnóstico de SII trocaria 10 a 15 anos de vida por um cura imediata da doença. No mundo do trabalho, na Europa, os gastos com SII rondam cerca de 8 biliões de euros por ano. A SII é um diagnóstico de exclusão, sendo que os seus sintomas mimetizam os de outras doenças mais graves, é essencial que estas sejam descartadas, como por exemplo a doença celíaca e a doença de Crohn. Contudo, após esta exclusão inicial, existem critérios para diagnóstico de SII, que distinguem esta síndrome de outras patologias funcionais não orgânicas, como por exemplo a distensão abdominal funcional. O sintoma principal é a dor abdominal, que deve acontecer pelo menos 1x por semana e estar associada a alteração do trânsito intestinal quer na forma, frequência ou melhoria/agravamento da dor com o movimento intestinal. Existem sempre sinais de alarme que devem levantar suspeitas de patologias que não a SII, como por exemplo, perdas de sangue nas fezes, perda ponderal clinicamente significativa, fadiga persistente, alterações analíticas, dor abdominal persistente, entre outros. Consultar um médico da especialidade é sempre essencial. A dieta Low-FODMAP parece ter ganho estatuto de “tratamento de referência” para a SII. Mas até que ponto é eficaz e segura a longo prazo? A categoria FODMAP (oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis) inclui alimentos que na sua constituição têm uma percentagem mais elevada de “açúcares”/hidratos de carbono fermentáveis. Ou seja, ao serem digeridos no intestino, existe uma libertação maior de gases, podendo tal estar associado a dor abdominal e inchaço. É importante mencionar que a SII é uma doença que não tem cura. Não havendo propriamente um “tratamento de referência”, existem algumas terapêuticas médicas e não médicas que ajudam no controlo de sintomas e na melhoria da qualidade de vida. A intervenção na dieta tem um papel importante. Dito isto, a dieta pobre em FODMAPs é realmente a intervenção nutricional mais comprovada e a única recomendada pelas guidelines internacionais. Faço a ressalva que a dieta é “pobre” em FODMAPs, não uma restrição total e contínua. Sendo que a intervenção passa por uma restrição inicial, seguida de uma reintrodução gradual para testar sintomas e finalmente a personalização da dieta conforme os resultados. Se voltarmos à questão inicial da microbiota, vamos ver que imensos alimentos saudáveis e fibras prebióticas, como por exemplo muitas leguminosas, entram na categoria FODMAP. O que pode tornar difícil gerir a dieta. Apesar da dieta pobre em FODMAPs ser a que tem mais suporte científico, existem outros desencadeadores/triggers de crises de SII, como alimentos ricos em histamina, como por exemplo carnes processadas, chouriços, presunto, enchidos, bebidas alcoólicas, frutos secos (nozes e amendoins), alimentos fermentados, alguns vegetais como os espinafres, o chocolate, entre outros; os açúcares refinados (bolos de pastelaria) e alimentos com alto teor de gordura. Na experiência prática as alterações alimentares são muito individualizadas. Mesmo dentro da categoria dos FODMAPs, existem pessoas a tolerar certos alimentos que outras não toleram. É importante fazer uma intervenção individualizada e tentar evitar uma restrição muito exagerada e contínua. Com a tecnologia atual, ainda há espaço para surpresas num exame endoscópico? Espaço para surpresas há sempre, na endoscopia e em tudo o que é a prática de boa ciência. Tenho de ser parcial. A minha área de subespecialização na Gastrenterologia é na endoscopia do intestino delgado. E, apesar de não ser o procedimento mais recente de todos, a evolução contínua da qualidade nesta tecnologia tem sido notória e claramente revolucionou a abordagem do doente em Gastrenterologia. Falo da cápsula endoscópica e da enteroscopia. Uma endoscopia alta vê o estômago, uma colonoscopia vê o cólon, e, até há bem pouco tempo ficávamos por aqui, não avaliando até 9 metros de intestino, o intestino delgado. A cápsula endoscópica é literalmente uma pequena cápsula equipada com duas câmaras, que, após deglutida, nos permite avaliar por vídeo as várias áreas do trato intestinal. Sendo o exame de referência para avaliação do intestino delgado, uma área de difícil acesso com endoscópios tradicionais. É um exame extremamente seguro e pouco invasivo que nos traz imensa informação importante sobre diversas patologias intestinais, desde doença de Crohn, tumores, avaliação de hemorragias de causa desconhecida, entre outras. A cápsula endoscópica é na sua essência um exame diagnóstico que nos guia o tratamento endoscópico subsequente. Aqui entra a enteroscopia, nomeadamente a referência, a enteroscopia de duplo-balão. O enteroscópico tem acoplado dois balões, que, com movimentos sucessivos de avanço e recuo, e insuflação e desinsuflação, fazem o pregueamento contínuo do intestino delgado. É só imaginar o intestino delgado como uma grande concertina a ser fechada. Assim, vamos pouco a pouco observando toda a sua extensão, e tratar ou biopsar o que seja necessário. É óbvio que na era da inteligência artificial, a endoscopia também foi otimizada. Já existem alguns sistemas de avaliação automática para deteção de pólipos, classificação de limpezas intestinais, deteção de hemorragias, entre outras. Uma área interessante e promissora, mas que ainda está em fase de desenvolvimento, sendo que atualmente ainda incorre em muitos erros. Acho ainda importante falar da intervenção endoscópica bariátrica/metabólica. A epidemia da obesidade veio para ficar. Já afeta todas as áreas da saúde. Recentemente, surgiram desenvolvimentos na intervenção bariátrica de forma endoscópica, por exemplo o sleeve gástrico endoscópico, com resultados ótimos e evitando a cirurgia, muito mais invasiva. É claro que terei sempre a pulga atrás da orelha no que diz respeito a intervenções irreversíveis não devidamente ponderadas no tratamento da obesidade, mas isso é tema para outra conversa. Nunca nos devemos esquecer do mais antigo, mas fiel, seguro e reversível, balão gástrico endoscópico, e mais recentemente o balão gástrico endoscópico ajustável, no qual podemos personalizar o volume intra gástrico do dispositivo. Quando sentimos desconforto após comer certos alimentos, como distinguir entre moda, intolerância ou reação alérgica real? Já fomos tocando neste tema em tópicos anteriores. Contudo é extremamente importante clarificar algumas ideias. Uma reação alérgica é algo grave e potencialmente emergente. É uma reação sistémica mediada por imunoglobulinas específicas e que pode cursar com falta de ar, edema da língua ou face, hipotensão e taquicardia, desmaio e até morte, no caso de uma reação anafilática grave. Nada tem a ver com intolerâncias e exige uma restrição total do alimento que causa a reação. O terreno das intolerâncias/sensibilidades alimentares é muito cinzento e pantanoso. Diariamente vejo em consulta utentes que, no desespero dos sintomas, muitas vezes em contexto de SII, realizam exames, muitas vezes caros, para verificar intolerâncias alimentares, que posteriormente condicionam dietas restritivas que muitas vezes levam a défices nutricionais, sendo que estes exames não têm validade científica, muito menos a alteração da dieta baseada neles. Parte do meu trabalho em consulta é desmistificar estes exames e tentar reintroduzir alimentos em utentes que já estão psicologicamente apreensivos. O que por si já pode despoletar sintomas. Aqui uma avaliação multidisciplinar é essencial, o Gastrenterologista contribui com a parte dele, mas uma avaliação em Nutricionista, e o estabelecimento e reavaliação do plano nutricional é fulcral. Nutricionistas como, por exemplo, a @nutri_by_nu (na doença inflamatória intestinal), a @anaraquelmarinho.nutricionista (na intervenção low FODMAP), a @patriciacunha.nutricionista (no exercício e perda ponderal) e o @mundo.da.nutricao (na literacia em nutrição) são essenciais para complementar o cuidado pelo doente. Em Portugal a colonoscopia continua a ser o “padrão ouro” na prevenção do cancro colorretal. A que sinais devemos estar atentos? E qual é a idade certa para começar os rastreios? O cancro colorretal (CCR) é o 2º cancro mais comum e o 2º mais mortal, logo a seguir ao cancro de pulmão. Anualmente surgem 7000 novos casos, morrem 11 pessoas por dia, um total de 4000 por ano. O CCR é um cancro altamente prevenível, sendo que 90% dos CCR podem ser evitados com o rastreio adequado. A prevenção atua em duas frentes. 40% dos CCR estão associados a fatores modificáveis. Redução no consumo de carnes vermelhas e processadas, aumento da ingestão de fibras (30g de fibras diárias é um objetivo adequado), evicção do álcool, prática de exercício físico, controlo da obesidade/síndrome metabólico, evicção do tabaco (fumadores têm um risco 60% superior de CCR) são medidas importantes. Recentemente, foi ainda identificada uma toxina (colibactin) produzida por algumas estirpes da bactéria E. Coli, que tipicamente causa gastroenterites bacterianas, que parece ser uma das causas que contribui para o aumento do diagnóstico de CCR em doentes jovens. Existem fatores que não conseguimos controlar, como o nosso perfil genético e o avançar da idade, ambos podem aumentar o risco de CCR. Convém mencionar que, apesar do perfil genético influenciar, 2/3 dos novos diagnósticos de CCR não têm história familiar associada. Entra aqui a segunda frente de prevenção, o rastreio. No rastreio o goldstandard é a colonoscopia total. O programa de rastreio português introduz a PSOF (pesquisa de sangue oculto nas fezes) como medida de triagem para a colonoscopia. A ideia é associar a identificação de vestígios não visualizáveis de sangue nas fezes à presença de pólipos (lesões pré-malignas) e cancro. Os casos positivos terão sempre de realizar colonoscopia. Os negativos poderão manter a vigilância com PSOF sucessivas. A PSOF é um exame validado para o rastreio de CCR. Contudo, é um exame com inúmeros falsos positivos e falsos negativos. É um exame muito menos eficaz no rastreio que a colonoscopia, e depende sempre desta para a intervenção essencial do rastreio, que é a remoção de pólipos. A PSOF é uma medida de rastreio populacional e económica, cuja ideia é aumentar a adesão das pessoas ao rastreio por ser menos invasiva que a colonoscopia. É, contudo, uma medida que fica muito aquém de um rastreio de qualidade. Em Portugal o rastreio inicia-se aos 50 anos. Cerca de 20% dos CCR ocorrem em doentes com menos de 50 anos. Um aumento para o dobro na última década. Os CCR nos jovens tendem também a ser mais agressivos e a apresentar mais metástases. As recomendações americanas mais recentes sugerem o início de rastreio a partir dos 45 anos. Isto claro, sempre falando de utentes com risco baixo/médio, sem história familiar ou outras patologias. Na minha prática recomendo os 45 anos para primeira colonoscopia. Existem sintomas e sinais de alarme que devemos estar atentos, nomeadamente, a perda de sangue nas fezes, a alteração drástica e persistente no padrão intestinal (para obstipação ou diarreia), a sensação de evacuação incompleta, a dor abdominal persistente, a palpação de alguma massa abdominal, alterações nas análises como anemia de novo e sinais constitucionais como perda ponderal clinicamente significativa não intencional (5% do peso total em 6 a 12 meses ou 10% de perda do peso corporal) e a fadiga persistente e inexplicável. Contudo o sintoma mais perigoso é a inexistência de sintomas. 50% dos CCR são diagnosticados sem qualquer sintoma prévio. O rastreio do CCR por colonoscopia salva vidas. Através do “Gastroleaks”, tem tentado desmistificar muitas ideias erradas. Na sua opinião, quais são os mitos mais perigosos ou persistentes quando falamos de intestino e saúde? Estamos na era da informação. E a saúde digestiva não se safa. É uma área que impacta a vida de muitas pessoas, e a procura por soluções “mágicas”, fáceis e apelativas é muito comum. É mais “in” dizer que estou a tomar um chá especial, ou a fazer a dieta do “ovo” da moda, do que propriamente introduzir de forma consistente frutas e legumes na dieta. E, na patologia digestiva funcional, como falamos do eixo cérebro intestino, o componente psicológico tem um impacto tão notório, que efetivamente acreditar que algo está a funcionar até eventualmente pode mitigar um ou outro sintoma. A meu ver, existe ainda outra causa para esta divulgação errada de ideias sobre a saúde digestiva. Algumas doenças do foro gastrenterológico ainda estão por esclarecer por completo. As etiologias são muito especulativas e há um défice completo no que diz respeito à prevenção das mesmas. Por exemplo, não há causa estabelecida na doença inflamatória intestinal ou na SII. Este vácuo acho que causa alguma obsessão na procura de justificação e no estabelecimento de causas possíveis como certas, levando a dogmas de tratamentos e medidas de estilo de vida exageradas e desproporcionais. Se algo faz sentido na cabeça de alguém, já é certo que é a causa de tudo. E na verdade, a ciência não funciona bem assim. Por exemplo, falemos da “permeabilidade intestinal”. Um tópico muito recorrente e uma teoria superinteressante que se baseia na quebra da barreira intestinal, a exposição do nosso sangue a toxinas e produtos externos que vão desencadear uma reação inflamatória crónica no nosso organismo. Não digo que até não possa ser um fator que possa predispor a certas patologias, numa miríade multifatorial de outras causas. Agora a partir deste grau de “inflamação ligeira crónica” justificar toda e qualquer doença penso que seja um verdadeiro salto de fé. O problema não é por si a teoria da permeabilidade intestinal, mas o extremismo com que se leva a fuga à mesma. Entre múltiplos suplementos que alegam curar esta permeabilidade, tenho utentes a fazer restrições alimentares não necessárias neste contexto, por exemplo um corte total do glúten. Mas sinceramente, há coisas bem piores. As coisas que as pessoas fazem para tratar de algum sintoma digestivo estão sempre a surpreender, desde enemas de café, até ingestão de leite cru ou fígado cru, todos os dias há uma tendência nova. Acima também falámos dos testes de intolerância alimentar, caros, super comuns e sem grande valor clínico. Uma nova tendência de que me tenho apercebido é a dos testes de DNA/genéticos a polimorfismos (PNPs), que são técnicas caras que avaliam muitos polimorfismos que não apresentam qualquer interesse clínico. O “Gastroleaks” surgiu com o intuito de desmistificar alguns mitos que se espalham sobre a saúde digestiva, para ajudar as pessoas e melhorar a literacia em saúde sobre diversos temas. E, como me dá muito gosto e tenho tido um feedback muito positivo, vou continuar. Acoplando recentemente a hipótese de consulta online, sempre com o intuito de melhor cuidar do utente e facilitar o acesso a uma observação especializada. Instagram: @dr.ruidesousamagalhaes LinkedIn: Rui de Sousa Magalhães Marcações: https://calendly.com/consulta_gastrenterologia “Os óleos essenciais utilizados na Aromaterapia Clínica Integrativa podem ser importantes aliados em condições como a insónia, a ansiedade e o stress” “A Medicina Dentária e a Harmonização Facial estão a mudar. 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