“O mundo da moda está a deixar para trás os estereótipos”

Nos bastidores do universo da moda há uma revolução silenciosa em curso contra os padrões predefinidos e o ritmo frenético do ‘fast fashion’. Um caminho que Carla Silva desenhou há mais de 30 anos, com a certeza de que a sua missão continua a ser fazer mulheres felizes. Da moda enquanto símbolo de empoderamento feminino à necessidade de formação das futuras gerações de talentos, a criadora traça o paradigma de uma indústria em evolução, onde a diversidade e a expressão individual se tornaram no novo ‘padrão’ a seguir.

Em que momento percebeu que queria dedicar a sua vida à moda?

Carla Silva: Foi um amor que floresceu desde a minha infância, quando brincava com lençóis e os transformava em vestidos imaginários. Essa paixão foi crescendo e ganhou um novo fôlego no momento em que herdei as linhas da empresa de malhas do meu pai, com apenas 16 anos. Desde tenra idade, sabia que queria mais. Apesar das adversidades, mantive-me focada no meu objetivo de ser uma criadora reconhecida, inspirada pelo trabalho grandioso da Chanel, uma referência que me fascinava desde sempre.

Após várias experiências profissionais e aprendizagem em diferentes ateliers, aos 20 anos, decidi abrir o meu próprio atelier. Esta decisão foi marcada por desafios e obstáculos, mas sempre mantive o apoio inabalável do meu pai, que me incentivava a perseverar e a nunca desistir dos meus sonhos.

Lembro-me vividamente de um momento especial em que criei um vestido inspirado no estilo Chanel, um vestido de veludo com um decote elegante, que usei num casamento. A reação das pessoas ao meu trabalho foi incrível e isso reforçou ainda mais a minha convicção de que podemos alcançar grandes feitos quando sonhamos alto e nos dedicamos aos nossos objetivos.

O reconhecimento internacional sempre foi um sonho e ver esse sonho a tornar-se realidade no dia em que uma pessoa que trabalhava na Chanel entrou no meu atelier foi um momento que jamais esquecerei.

A moda sempre foi, para si, um símbolo de empoderamento feminino?

Carla Silva: A moda está presente nas nossas vidas de diferentes formas: no tipo de tecidos que vestimos, no estilo de roupa que usamos, no impacto que uma peça de roupa causa nas passerelles, nos tapetes vermelhos, ou até nas redes sociais.

Por isso, sim, a moda é também um símbolo de libertação e de empoderamento feminino. Tenho orgulho em afirmar que construi todo o meu percurso sozinha e hoje pretendo incutir essa filosofia de liberdade, autonomia, resiliência e liderança nas minhas coleções, procurando inspirar outras mulheres. As mulheres não precisam de encontrar uma voz, elas têm uma voz, e precisam de se sentir empoderadas para a usar. A moda pode ser essa ‘voz’.

O que é que está a acontecer atualmente no universo do atelier?

Carla Silva: Estou a aceitar cada vez mais trabalhos que esbatem barreiras geográficas. Tenho ido a Paris, à Suíça, a Lisboa, o meu mercado já começa a ser outro e foi essa a intenção. Independentemente do local onde me encontro, acredito firmemente na responsabilidade que tenho como criadora de moda. Idealizo, concebo, crio e desenvolvo sonhos. Criações que se fundem como uma segunda pele, manifesto da personalidade de alguém.

O seu trabalho é feito, acima de tudo, de relações humanas?

Carla Silva: A importância das relações humanas é fundamental e a minha ligação à Sílvia Oliveira é um exemplo disso. Acredito firmemente que o sucesso é construído em equipa e a Sílvia tem sido uma presença incontornável ao longo do meu percurso, em diferentes fases. É alguém que me aconselha e que complementa muito daquilo que sou como pessoa e como profissional. Uma pessoa que esteve sempre ao meu lado quando precisei dela.

Sílvia Oliveira: Sempre estive ligada aos Recursos Humanos e acredito que a minha maior missão sempre foi ajudar os outros, quer a nível pessoal, quer a nível profissional. E também por isso me divido em múltiplos papéis, trabalho atualmente no Grupo Jerónimo Martins, tenho a minha marca própria de biquínis e desenvolvi um projeto com o meu futuro marido, o Fit to Marry, a nossa faceta de influencers rumo ao grande dia do nosso casamento. Adoro mergulhar no universo da Carla, participar e ajudar a organizar desfiles e eventos, contribuir com novas ideias. É deste processo de networking que nascem os melhores projetos. E neste momento a Carla está também a criar o meu vestido de noiva, um enorme desafio, uma vez que já desfilei inúmeras vezes vestida de noiva.

A moda está a abandonar os padrões predefinidos?

Carla Silva: Ser criadora é assumir a responsabilidade de criar moda para todas as medidas e tipos de corpo, únicos na sua singularidade. Costumo dizer que nasci para fazer mulheres felizes, realçar formas, disfarçar complexos, fazer com que cada mulher se sinta elegante e feliz na sua pele. A moda é um estado de espírito.

Sílvia Oliveira: Esta diversidade é positiva, pois demonstra que cada pessoa tem o seu próprio estilo, sem uma necessidade de se conformar com padrões predefinidos. A moda está a evoluir para abraçar essa diversidade, reconhecendo a beleza em todas as formas e tamanhos. Este movimento de inclusão é fundamental para promover a aceitação do corpo e celebrar a individualidade de cada pessoa.

A Academia de Moda continua a ser um desejo?

Carla Silva: A moda não é apenas técnica. É algo que se sente e que se vive intensamente, espero poder vir a transmitir essa grande mensagem às novas gerações. A mensagem da moda é intemporal e acredito que vive em nós para sempre. Eu e a Sílvia temos a ideia de desenvolver algo que não existe em Braga.

Sílvia Oliveira: A formação na área da moda é um processo complexo, especialmente no que diz respeito à capacitação de profissionais qualificados. Embora muitas pessoas possam aspirar a tornar-se manequins, ou estilistas, é fundamental compreender que este campo requer mais do que simplesmente ideias no papel. É necessário um verdadeiro compromisso com o trabalho prático. Para tal, é crucial investir em formação adequada.

O setor da moda está em constante evolução e para garantir a sua continuidade e inovação, é essencial formar novos talentos. Este investimento na formação de jovens é vital para evitar que a indústria da moda estagne ou perca relevância. Ao proporcionar oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, podemos garantir que a próxima geração de profissionais da moda esteja preparada para enfrentar os desafios e contribuir para o progresso do setor.

O que é que mais a fascina neste trabalho com as mulheres?

Carla Silva: O que mais me fascina neste trabalho com as mulheres é o processo de estudar e compreender a personalidade única de cada uma delas e a partir daí criar algo completamente diferente e transformador. Lembro-me de um caso marcante, uma senhora que trabalhava numa profissão altamente masculina. Foi um desafio emocionante. O filho dela, um sargento em Lisboa, recomendou que ela viesse até mim em busca de ajuda para uma transformação. Fiquei verdadeiramente surpreendida e entusiasmada com a perspetiva de realizar uma mudança tão significativa.

Ao ver a senhora depois da transformação, deslumbrante e tão feminina foi realmente inspirador. Ela ficou tão surpreendida com o resultado que mal se reconhecia, nunca antes se tinha visto maquilhada. Agora, quer um vestido para o batizado da neta. Esta experiência é, para mim, o cerne do que mais valorizo neste trabalho: o desafio de criar uma transformação significativa e autêntica que respeite a essência e personalidade de cada pessoa. Adoro os desafios que este trabalho me proporciona, e quanto mais difícil é a transformação, mais gratificante se torna para mim.

Que missão ainda gostaria de cumprir?

Carla Silva: Os meus grandes objetivos a curto e médio prazo estão intrinsecamente ligados ao meu desejo de fazer mulheres felizes. Ao longo destes anos, tudo o que conquistei foi resultado de muito trabalho árduo e dedicação. Em certos momentos, a falta de reconhecimento pelo meu esforço levou-me a questionar o propósito da minha existência e do meu trabalho. No entanto, mantive-me firme na minha convicção e avancei com determinação, pois acredito que uma mulher nunca deve desistir dos seus sonhos, independentemente da fase da vida em que se encontre.

Ao longo da minha carreira, testemunhei muitas histórias de vida, especialmente das noivas que procuram em mim não apenas um vestido, mas também uma confidente para partilhar os seus sonhos e preocupações. Recentemente, uma noiva que casou há 24 anos procurou-me porque pretendia um vestido para comemorar os seus 25 anos de casamento. É, para mim, uma enorme gratidão poder ajudar estas mulheres a redescobrirem-se e a sentirem-se confiantes seja qual for o momento da vida.

Sílvia Oliveira: O nosso objetivo conjunto é garantir que a Carla deixe um legado significativo através da formação e do ensino na área da moda. Embora possamos não iniciar imediatamente a Academia de Moda, é um objetivo que está no horizonte. É essencial transmitir a mensagem de que é nunca é tarde para seguir uma vocação e procurar realização pessoal. Queremos que os nossos alunos saiam da Academia capacitados e inspirados, ansiosos por fazer a diferença no mercado de trabalho.

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