Podologia “Uma ligeira alteração no pé pode ser o primeiro sinal de uma doença, influenciar a postura e, em alguns casos, até salvar vidas” By Revista Spot | Outubro 6, 2025 Outubro 6, 2025 Share Tweet Share Pin Email Há 17 anos que a podologista Cátia Costa observa o corpo a partir do chão. O que começou como uma especialidade pouco conhecida é hoje uma área essencial da medicina preventiva. A podologia evoluiu com a tecnologia: da impressão 3D às palmilhas inteligentes, da laserterapia à análise biomecânica, mas manteve o que nunca poderá ser substituído, o olhar clínico e o toque humano. “Uma simples alteração no pé pode revelar uma doença sistémica, mudar a postura de alguém ou salvar uma vida”, sublinha. A profissionalização da podologia, reconhecida em 2014, trouxe também um novo mindset: médicos, fisioterapeutas e podologistas trabalham lado a lado na deteção precoce de patologias e na prevenção de lesões. O futuro, acredita, será de integração e personalização, com a tecnologia a servir o gesto clínico e não o contrário. “Cuidar dos pés é cuidar da base da vida”, reconhece. Que aprendizagens mais a marcaram ao longo destes 17 anos de prática clínica e como é que o seu olhar sobre a Podologia evoluiu ao longo do tempo? Ao longo destes 17 anos de prática clínica, testemunhei uma enorme evolução na forma como as pessoas encaram a saúde dos pés. O reconhecimento oficial da Podologia como profissão de saúde, em 2014, foi um marco importante: a partir daí, os utentes passaram a compreender que, perante problemas nos membros inferiores, especialmente nos pés, o podologista é o profissional mais indicado. Também a integração em equipas multidisciplinares se desenvolveu bastante, com médicos e outros profissionais a encaminharem cada vez mais os utentes quando identificam essa necessidade. Aprendi, e continuo a aprender, imenso com os meus pacientes. As patologias são inúmeras, e mesmo as mais comuns apresentam sempre particularidades, porque cada pessoa é única. Aquilo que, para nós, pode parecer uma intervenção simples, pode transformar por completo o dia a dia de alguém. Esse impacto positivo é, para mim, o maior reconhecimento que posso receber. Os pés podem revelar problemas sistémicos, desde diabetes até alterações posturais. Quais os sinais mais precoces que um podologista consegue identificar e que podem salvar a saúde, e até a vida, de um paciente? Como referi anteriormente, a mesma patologia manifesta-se de forma diferente em cada pessoa. É essencial olharmos para o utente de forma global, não apenas para os pés, pois o corpo funciona como um sistema integrado. Existem várias doenças que provocam alterações nos membros inferiores, como a diabetes, doenças da tiroide ou renais. Já tive diversos casos em que, durante a consulta, suspeitei de uma condição sistémica ainda não diagnosticada e, após exames complementares e avaliação médica, a suspeita confirmou-se. As alterações posturais funcionam como uma casa construída sobre alicerces frágeis: um apoio incorreto dos pés pode provocar desalinhamentos em toda a estrutura corporal e o inverso também acontece. Os pés influenciam a postura, a visão, a saúde oral e até o funcionamento respiratório e gastrointestinal. Tudo está interligado. O corpo humano exige harmonia e equilíbrio para funcionar no seu pleno potencial. O pé diabético continua a ser um problema de saúde pública. Que estratégias mais eficazes existem hoje para a prevenção e o acompanhamento precoce? O pé diabético é, de facto, um problema sério de saúde pública, já considerado uma verdadeira epidemia global. Estima-se que, em 2050, mais de mil milhões de pessoas poderão ser afetadas pela diabetes. Este cenário resulta, em grande parte, do estilo de vida adotado desde a infância, marcado pelo aumento da obesidade e pelo sedentarismo. Apesar deste contexto preocupante, temos assistido a avanços significativos na medicina: surgiram novos medicamentos, estratégias de prevenção mais eficazes e equipas multidisciplinares altamente especializadas, nas quais a Podologia assume um papel fundamental. Desde que os podologistas passaram a integrar estas equipas, verificou-se uma redução expressiva no número de amputações dos membros inferiores. Os dados são particularmente reveladores no Norte de Portugal, onde existe uma maior concentração de podologistas, tanto no SNS como no setor privado. As consultas de Podologia têm um papel essencial: educam o utente sobre os cuidados diários, previnem lesões, prestam cuidados primários e evitam a progressão da doença, melhorando significativamente a qualidade de vida e reduzindo a mortalidade associada. Muitos problemas ortopédicos têm origem nos pés em crescimento. Que sinais de alerta devem os pais observar desde cedo para evitar complicações futuras? Os pés que temos em adultos são o reflexo dos pés que tivemos em crianças. Embora existam patologias de origem genética ou hereditária, grande parte das alterações resulta da falta de cuidado, ou até de desconhecimento, por parte dos pais e cuidadores, como o uso de calçado inadequado. Há, contudo, situações que fazem parte das etapas normais do crescimento e não devem ser confundidas com problemas: a ausência do arco plantar (pé plano) é fisiológica até cerca dos 3 anos; os joelhos valgos (quando os joelhos se tocam) são comuns entre os 3 e os 8 anos; e caminhar em bicos de pés pode ser normal até aos 18 meses – 2 anos. Estas alterações são esperadas, desde que se mantenham dentro dos limites considerados normais. No entanto, se a criança se queixa de dor ou desconforto, tropeça frequentemente, evita caminhar ou apresenta alterações visíveis em outras estruturas do membro inferior, é importante procurar aconselhamento com um especialista, nomeadamente um podologista. Na dúvida, o melhor caminho é sempre o da informação e da prevenção. Passamos horas de pé ou em calçado inadequado no trabalho. Que papel pode ter a Podologia na saúde ocupacional e na prevenção de lesões músculo-esqueléticas em profissões de risco? Grande parte das consultas de Podologia em jovens adultos e em pessoas em idade ativa está relacionada com patologias associadas ao trabalho e ao uso de calçado inadequado. Num mundo cada vez mais industrializado, o uso obrigatório de calçado de segurança é uma realidade, mas, muitas vezes, esse tipo de calçado não oferece as condições ideais para a saúde dos pés. Cabe ao podologista não só diagnosticar e tratar as patologias que surgem, mas também atuar de forma preventiva: aconselhar sobre o tipo de calçado mais adequado, orientar em relação a palmilhas personalizadas e promover a educação postural e biomecânica. Pequenas mudanças podem evitar dores crónicas, melhorar o desempenho e, acima de tudo, preservar a saúde e o bem-estar no ambiente de trabalho. As palmilhas deixaram de ser apenas para correção ortopédica e entraram também no desporto de alto rendimento. De que forma a tecnologia atual está a transformar este campo? As palmilhas personalizadas são hoje uma das ferramentas terapêuticas mais versáteis e eficazes da Podologia moderna e vão muito além da simples correção ortopédica. São indicadas desde a infância até à terceira idade, adaptando-se às necessidades de cada fase da vida. Na pediatria, ajudam a corrigir o pé plano ou o joelho valgo; na adolescência, contribuem para alinhar a postura; nos adultos, reduzem pontos de pressão e melhoram o conforto; nos desportistas, previnem lesões e potenciam o desempenho; e nos idosos, aliviam dores e evitam o agravamento de patologias já existentes. Com os avanços tecnológicos, como a impressão 3D, a digitalização plantar e a avaliação biomecânica avançada, é agora possível criar palmilhas totalmente personalizadas, com precisão milimétrica e materiais de última geração. Estas tecnologias permitem otimizar o equilíbrio, corrigir a marcha e maximizar a performance, tornando as palmilhas um verdadeiro investimento em saúde e bem-estar. Arrisco dizer que mais de 90% da população beneficiaria do seu uso. Vivemos mais anos e com maior mobilidade. Que desafios encontra na saúde dos pés dos idosos e que impacto pode ter a Podologia na autonomia e qualidade de vida nesta faixa etária? Nos idosos, o papel do podologista é tanto clínico como educativo. Felizmente, vivemos mais anos e com melhor qualidade de vida, mas o envelhecimento traz consigo alterações naturais que afetam a mobilidade e o equilíbrio. A Podologia tem um papel essencial não só no tratamento das patologias que surgem, aliviando dores, prevenindo quedas e promovendo o conforto, mas sobretudo na manutenção da autonomia. Mais do que tratar, é preciso educar. Ensinar os nossos mais velhos a cuidar dos pés, escolher o calçado adequado e reconhecer sinais de alerta é fundamental para preservar a sua independência e autoestima. Cada passo conta, e a saúde dos pés é muitas vezes a chave para envelhecer com qualidade e dignidade. O tratamento a laser tem ganho espaço em patologias como a onicomicose ou nas reconstruções ungueais. Que evidência científica sustenta esta abordagem e até onde pode ir o laser como ferramenta de futuro em Podologia? O laser é uma tecnologia utilizada há décadas em várias áreas da medicina e tem-se revelado um aliado de enorme valor, tanto no tratamento de diversas patologias como na realização de procedimentos cirúrgicos. Na Podologia, considero-o uma das maiores inovações dos últimos tempos. Realizo laserterapia há cerca de 10 anos, principalmente no tratamento de onicomicoses, e os resultados têm sido extraordinários. Trata-se de uma abordagem eficaz, segura, sem contraindicações nem efeitos secundários, o que faz toda a diferença para quem lida com uma condição tão comum e com tanto impacto estético, funcional e social. A evidência científica tem vindo a demonstrar que o laser, ao atuar diretamente sobre o fungo e estimular a regeneração tecidular, melhora significativamente os resultados clínicos. E o seu potencial vai muito além da onicomicose, o laser está a tornar-se uma ferramenta promissora no controlo da dor, na cicatrização e até na estimulação celular. Sou uma podologista que acompanha a evolução tecnológica para dar resposta à evolução do ser humano. Quais são hoje os avanços mais relevantes nas técnicas cirúrgicas podológicas, sobretudo em patologias como joanetes, unhas encravadas recorrentes ou dedos em garra? Dentro da Podologia, a cirurgia é uma das áreas que mais me fascina e que continuo a aprofundar com entusiasmo. Para mim, representa sempre a última linha de tratamento. Só proponho uma intervenção cirúrgica depois de esgotar todas as alternativas conservadoras. Ainda assim, é extraordinário observar a transformação que ocorre entre o “antes” e o “depois” de uma cirurgia bem-sucedida. Existe, contudo, algum estigma associado às cirurgias do pé, sobretudo às do joanete: é frequente ouvir “ficou pior” ou “o pós-operatório foi horrível”. Felizmente, essa realidade tem mudado. Os novos métodos de cirurgia por mínima incisão revolucionaram a área, permitindo intervenções menos invasivas, com recuperação mais rápida e resultados cada vez mais satisfatórios. Quando realizadas pelo especialista certo, estas técnicas oferecem uma reabilitação confortável e devolvem ao paciente a confiança e a mobilidade perdidas. Muitas vezes só damos atenção aos pés quando surge dor ou desconforto. Quais são os hábitos essenciais de higiene, cuidados e escolhas de calçado que todos devíamos adotar desde cedo para manter os pés saudáveis ao longo da vida? Os pés são o nosso suporte diário, sustentam o corpo e acompanham-nos em todos os passos, literalmente. Durante a marcha ou corrida, suportam entre 1,5 e 3 vezes o peso corporal e, num salto, essa carga pode chegar a 5 vezes o peso do corpo. Considerando que uma pessoa dá em média 9.000 passos por dia e vive cerca de 81 anos, estima-se que percorra cerca de 265 milhões de passos ao longo da vida. É impressionante e motivo suficiente para cuidarmos melhor deles. Os pés devem ser tratados com a mesma atenção que damos ao resto do corpo. Cuidados simples fazem toda a diferença: lavar com água morna e sabonete neutro, secar bem (especialmente entre os dedos), aplicar creme hidratante, cortar as unhas em linha reta, trocar de meias diariamente e usar calçado confortável, leve e adequado à idade e à rotina. E, claro, procurar um podologista sempre que surjam alterações. A prevenção continua a ser o passo mais importante para manter os pés, e a vida, em equilíbrio. Como imagina o futuro da Podologia nos próximos 10 anos? Por mais que a tecnologia avance, é difícil imaginar que um podologista possa ser totalmente substituído por uma máquina. A nossa profissão é profundamente prática e depende, acima de tudo, das mãos, da observação e da sensibilidade humana. A inteligência artificial, os dispositivos de monitorização da marcha e a telemedicina são ferramentas extraordinárias, que vieram melhorar o diagnóstico, o acompanhamento e a eficiência dos tratamentos, mas não substituem o contacto humano, a empatia e a experiência clínica que cada caso exige. Mesmo que um dia a máquina consiga replicar parte do trabalho humano, esse cenário ainda está longe de acontecer. Vejo um futuro promissor para a Podologia, onde a tecnologia será uma aliada e não uma ameaça. Caminharemos lado a lado, de pés firmes e mente aberta, acompanhando a evolução do mundo sem nunca perder o toque humano que dá sentido à nossa profissão. Instagram: @dra_catiacosta “A Medicina Estética, a Medicina Integrativa, a Reposição Hormonal e a Medicina Capilar estarão cada vez mais interligadas, desenhando um novo paradigma de saúde” “O ombro e o cotovelo são engenharia viva, cada cirurgia bem-sucedida devolve ao corpo a liberdade perdida”