A instrutora de Krav Maga que ensina diariamente mulheres a defenderem-se em situações de perigo real

O Krav Maga tem vindo a conquistar cada vez mais adeptos, especialmente entre as mulheres. Mais do que uma arte marcial, esta prática ensina técnicas realistas de autodefesa e estratégias para lidar com situações de perigo, proporcionando não apenas segurança, mas também confiança e empoderamento. Carla Veiga, instrutora de Krav Maga certificada pelo IPDJ, é um exemplo vivo dessa transformação. Com mais de uma década de experiência na modalidade, dedica-se a ensinar mulheres a superarem os seus medos e a desenvolverem competências que podem fazer a diferença em momentos críticos. 

Pode contar-nos um pouco sobre o seu percurso no Krav Maga?
O meu percurso no Krav Maga começou há 13 anos, quando assisti a uma aula de demonstração com o Mestre Daniel. Foi a primeira vez que ouvi falar desta arte e, desde logo, senti que era “amor à primeira vista”. Sem dúvida, foi das melhores coisas que me poderiam ter acontecido.
Desde então, continuei a minha formação com o Mestre Daniel Vieira e o Mestre César Alonso, que sempre me orientaram e apoiaram ao longo dos anos. Com o tempo, compreendi que o Krav Maga vai muito além da autodefesa – é uma forma de estar e de ver o mundo. O estudo e a compreensão dos seus princípios transformaram a minha maneira de encarar a vida e deram-me uma confiança inabalável. Por tudo isso, estou profundamente grata.
Ao longo do meu percurso, participei em diversos estágios e formações específicas, tanto com mestres nacionais como internacionais, aprofundando conhecimentos desde as técnicas mais básicas até temas mais avançados, como defesa contra armas brancas e até estratégias de defesa antiterrorismo.
Fiz o meu primeiro curso de instrutora muito antes de a atividade estar regulamentada e, em 2019, tal como todos os instrutores da altura, obtive a certificação oficial do IDPJ.

O que a levou a tornar-se instrutora?
O impacto positivo que o Krav Maga teve na minha vida fez-me perceber que podia — e devia — partilhar esse conhecimento com outras mulheres. Quero mostrar-lhes que podem tornar-se mais fortes e confiantes através desta prática. Para isso, o caminho natural foi tornar-me instrutora.
Qual a importância de ser Treinadora de Krav Maga certificada pelo IPDJ e de que forma isso impacta o seu trabalho?
A certificação pelo IPDJ é fundamental, pois assegura que sigo padrões elevados de qualidade, segurança e ética no ensino. Significa que tenho uma formação reconhecida e que o treino que ofereço é validado por uma entidade credível. Isso transmite confiança aos alunos e reforça o profissionalismo da prática.

O que distingue o Krav Maga de outras artes marciais ou sistemas de defesa pessoal?
O Krav Maga destaca-se pela sua abordagem prática e eficaz em situações reais de perigo. Ao contrário de algumas artes marciais tradicionais, que podem ter uma vertente desportiva ou ritualística, o Krav Maga foca-se exclusivamente na defesa pessoal. As técnicas são simples, diretas e adaptáveis a qualquer pessoa, independentemente da sua idade ou condição física. O objetivo é neutralizar ameaças da forma mais rápida e eficiente possível, recorrendo a movimentos naturais do corpo.
Quais são os desafios específicos que as mulheres enfrentam no que toca à segurança e autodefesa?
Enquanto mulher, compreendo melhor os desafios, receios e dificuldades que o género feminino enfrenta. O assédio e as agressões físicas e psicológicas estão entre os principais crimes praticados contra as mulheres. Além disso, em muitos casos, há uma desvantagem física em relação aos agressores, tornando essencial o uso de técnicas que maximizem força e velocidade.
Nos meus treinos, foco-me tanto na preparação física como mental, proporcionando ferramentas para lidar com situações de conflito e capacitando as alunas para gerirem estes desafios com mais segurança e confiança.

De que forma o Krav Maga pode ajudar as mulheres a sentirem-se mais seguras no dia-a-dia?


O treino contínuo reforça a autoconfiança e ensina-nos que, independentemente do tamanho ou da força, é possível resistir e não apenas aceitar as agressões ou tentar minimizar as suas consequências. Ganhamos a consciência de que é possível escapar de situações perigosas.
Para além das técnicas físicas, na nossa escola, Krav Maga Combate Defense, damos grande importância às táticas de proteção pessoal. Ensinar a identificar locais e pessoas potencialmente perigosas, antecipar ameaças e reagir rapidamente, se necessário, são aspetos fundamentais do nosso treino.

Há diferenças na forma como treina mulheres e homens? A abordagem ao ensino é diferente?


A base técnica é a mesma, mas a abordagem psicológica pode variar. Com as mulheres, dedicamos mais tempo a cenários realistas que envolvem violência de género, ajudando-as a desenvolver uma resposta assertiva e sem hesitação.
Organizo treinos específicos que recriam situações reais o mais fielmente possível, contando com a colaboração dos colegas do sexo masculino. Nestes treinos, coloco à prova as capacidades técnicas, físicas e mentais de cada aluna. No final, discutimos o desempenho, analisamos os pontos fortes e identificamos as dificuldades — seja por uma falha técnica, um bloqueio mental ou uma má gestão do stress — para que possam evoluir e sentir-se cada vez mais preparadas.

Que tipo de situações mais comuns aprendem as mulheres a enfrentar nos treinos?Ensino defesas contra tentativas de agarro, puxões de cabelo, estrangulamentos, socos e pontapés, bem como contra ameaças com armas brancas e de fogo. Também abordamos a utilização de objetos do dia-a-dia como armas improvisadas e a forma de tirar partido do meio envolvente. Além disso, o programa inclui estratégias para fugir de locais perigosos, pedir ajuda de forma eficaz e saber como agir após uma agressão.

O Krav Maga trabalha apenas a componente física ou também a parte psicológica e emocional da autodefesa?
A componente psicológica é fundamental, tanto para homens como para mulheres. No Krav Maga, trabalhamos a capacidade de manter a calma sob pressão, tomar decisões rápidas e superar o medo, ou seja, gerir o stress. Este processo nem sempre é fácil e pode levar tempo. O maior desafio é conhecermo-nos a nós próprios, compreender os nossos limites e superá-los.

Para quem nunca praticou nenhuma arte marcial, quanto tempo demora a adquirir competências básicas de defesa pessoal eficazes?
Esta é uma das perguntas mais frequentes de quem se inscreve nas aulas. A resposta depende da dedicação e da capacidade de cada pessoa, pois todos temos ritmos e facilidades diferentes. Alguns alunos conseguem alcançar bons resultados em poucos meses, enquanto outros demoram mais tempo. Mas uma coisa é certa: com treino e empenho, todos conseguem progredir!
O meu papel enquanto treinadora é ajudar cada aluno a tirar o máximo partido das suas capacidades físicas e mentais, ao mesmo tempo que reduz as suas fraquezas. Existem técnicas extremamente simples e eficazes, acessíveis a qualquer pessoa, e são essas que privilegiamos numa situação de confronto físico. Outras técnicas mais complexas exigem treino, dedicação e sacrifício. O importante é que, ao fim de alguns meses, todos sentem uma grande evolução em relação ao dia em que começaram.

Quais são os mitos mais comuns sobre a autodefesa para mulheres?
Um dos maiores mitos é a ideia de que é necessário ter força física para se defender. Na realidade, a defesa pessoal baseia-se na aplicação de técnicas simples, no momento certo e nos pontos mais vulneráveis do agressor. O fator surpresa pode ser determinante para compensar diferenças físicas. Outro equívoco comum é acreditar que o perigo vem apenas de desconhecidos, quando, na verdade, muitas ameaças estão mais próximas do que imaginamos.

A partir de que idade recomenda que as crianças comecem a treinar Krav Maga?
Atualmente, trabalho com crianças a partir dos 3 ou 4 anos. Nessa fase, começam a desenvolver consciência corporal, e a prática é enriquecedora tanto para elas como para nós. O objetivo nesta idade não é ensiná-las a defender-se, mas sim prepará-las progressivamente para etapas futuras.
A partir dos 5 ou 6 anos, introduzimos jogos educativos que desenvolvem reflexos, coordenação motora e as primeiras noções de técnicas básicas, sempre adaptadas à sua maturidade.

Como são adaptadas as técnicas para os mais novos?
A abordagem é lúdica e interativa. Utilizamos exercícios dinâmicos para ensinar os princípios da defesa pessoal, recorrendo a jogos de mobilidade, coordenação motora e desafios práticos. Também trabalhamos noções essenciais, como manter uma distância segura, pedir ajuda e identificar “os bons estranhos” – adultos em quem podem confiar numa situação de necessidade.

Para além da defesa pessoal, que outros benefícios traz o Krav Maga para as crianças?
A prática melhora a autoconfiança, a disciplina, a concentração e a capacidade de trabalhar em equipa. Além disso, reforça valores como coragem, resiliência e respeito pelos outros, ajudando no desenvolvimento emocional e social da criança.

Os pais costumam ter receio de inscrever os filhos em aulas de Krav Maga?
Sim, é comum que alguns pais tenham receio de que a prática do Krav Maga torne os filhos mais agressivos. No entanto, a minha experiência mostra exatamente o contrário! Nenhum dos meus alunos se envolveu em confrontos ou se tornou mais agressivo devido ao treino.
Durante dois anos, ministrei aulas regulares nas escolas do primeiro ciclo no âmbito das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), e nunca houve qualquer registo de violência por parte dos alunos. O treino ensina as crianças a evitar conflitos, melhora a autoconfiança e ajuda a desenvolver uma postura mais segura. Esta atitude, por si só, reduz a probabilidade de serem vistas como alvos fáceis e, consequentemente, a necessidade de confronto.

Como é estruturado um treino típico de Krav Maga na Krav Maga Combat Defense?
Começamos com um aquecimento dinâmico, seguido do ensino de técnicas específicas de autodefesa, treino de cenários realistas e exercícios de condicionamento físico. Finalizamos sempre com um momento de reflexão sobre as lições aprendidas no treino.
Para os iniciantes, o foco está na aprendizagem das técnicas fundamentais. À medida que os alunos evoluem, introduzimos gradualmente a componente de combate, dando ênfase ao sparring e a exercícios de gestão de stress. Este tipo de treino é uma caraterística marcante da nossa escola, Krav Maga Combat Defense.

Para quem sente receio de começar, o que diria para incentivar os alunos a darem o primeiro passo?
Gostaria de deixar claro que o Krav Maga não se resume a autodefesa ou a andar à “porrada”. Não há motivo para receios! No dojo, em cima do tatami, somos todos iguais. Aqui, ninguém é julgado, todos são bem-vindos e todos começam do zero.
Diz-se que as grandes caminhadas começam com um pequeno passo. No nosso caso, esse passo é pisar o tatami pela primeira vez! Esse será o momento mais desafiador da vossa jornada — a partir daí, estaremos cá para ajudar em cada etapa.

Há alguma dica rápida e eficaz de defesa pessoal que qualquer pessoa possa aplicar em caso de perigo?
Sim! Antes de mais, a prevenção é essencial: mantenha-se atenta ao seu ambiente e mantenha sempre uma distância segura de desconhecidos que pareçam suspeitos.
Se for atacada, foque-se nos pontos mais vulneráveis do agressor — olhos, garganta e genitais. O objetivo não é “ganhar a luta”, mas sim criar uma janela de oportunidade para fugir. Seja rápida, agressiva e explosiva!

Que principal lição pretende que os seus alunos levem do Krav Maga para a vida?
Que a defesa pessoal vai muito além da força física. Trata-se de confiança, preparação mental e resiliência. Quero que os meus alunos saibam que têm o direito e a capacidade de se proteger, e que a sua segurança começa com a consciência dos próprios limites e com a atitude certa.
Costumo dar-me como exemplo às minhas alunas. O percurso nem sempre é fácil, mas quando temos Mestres que nos apoiam e se tornam verdadeiros amigos, tudo se torna mais acessível. Quero que elas vejam em mim um reflexo daquilo que vejo nelas: determinação e crescimento.
Com resiliência, confiança e apoio, tudo fica mais fácil.
O Krav Maga não é apenas sobre autodefesa — é sobre tornar as pessoas melhores.

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