Clínica da Botica: Problemas do sono são fator de risco para diversas doenças

Cerca de um terço da população mundial tem sintomas de insónia e estima-se que um número significativo de portugueses sofram de apneia do sono. O sono é vital para a saúde e a dificuldade em adormecer, ou em manter um sono contínuo, têm consequências a longo prazo e podem ser também sinal de alerta para determinadas doenças. Quem o diz é a Ana Luísa Vieira, médica especialista em Pneumologia, com competência em Medicina do Sono, responsável pela Consulta do Sono da Clínica da Botica. Uma consulta integrada, que envolve diferentes especialistas da área da Saúde nesta visão conjunta em torno do diagnóstico e tratamento das diferentes doenças do sono…

Por que razão o sono é tão importante?

Ana Luísa Vieira: O sono é crucial para manter o nosso organismo em equilíbrio mental, emocional e metabólico, permitindo-nos recuperar a energia para realizar as nossas atividades diárias.

O sono desempenha um papel fundamental na promoção da saúde. Além da importante função de descanso, durante uma noite de sono o nosso corpo mantém o equilíbrio e funcionamento adequado do sistema imunológico, endócrino, neurológico e de diversas outras funções.

Que patologias podem advir de uma má qualidade de sono?

Ana Luísa Vieira: A Ciência revela que a privação do sono e o sono não reparador acarretam graves consequências para saúde, como cansaço, dificuldades de memória e aprendizagem, redução da atenção e alterações de humor. Além disso, aumenta o risco de desenvolver doenças psiquiátricas, respiratórias, cardiovasculares e imunológicas.

“O sono tem um papel fundamental na promoção da saúde.” Ana Luísa Vieira, médica especialista em Pneumologia, com competência em Medicina do Sono

O que pode influenciar a qualidade do sono?

Ana Luísa Vieira: Uma patologia de sono não identificada, como a apneia do sono, assim como uma higiene do sono inadequada, podem influenciar negativamente a qualidade do sono.

O termo higiene do sono refere-se a diversas práticas e hábitos que ajudam a melhorar a qualidade do sono. Em primeiro lugar é essencial manter uma boa rotina de sono, que nos permita deitar e acordar à mesma hora, inclusive aos fins-de-semana, além de criar um ambiente no quarto que seja relaxante e propício ao sono. Devemos evitar atividades intensas antes de dormir, optando por rituais relaxantes, como ler um livro, ouvir música, tomar um banho morno, ou beber um chá de camomila. É primordial diminuir a exposição a ecrãs e evitar substâncias estimulantes como o café, o chá com teína, chocolate ou refeições mais pesadas. As rotinas que adotamos ao longo do dia podem também influenciar a qualidade do sono. A exposição solar, por exemplo, ajuda a regular o nosso ciclo circadiano, ou seja, o nosso relógio biológico. No entanto, essa exposição deve diminuir à medida que o dia avança, uma vez que a melatonina, uma hormona necessária para um sono reparador, é estimulada quando a luminosidade diminui. A melatonina desempenha um papel crucial na regulação do nosso ritmo circadiano.

As diferentes fases do sono têm também um papel importante?

Ana Luísa Vieira: Um ciclo de sono é composto por diferentes fases, cada uma com funções distintas, como o sono superficial, o sono profundo e o sono REM (com movimentos rápidos dos olhos). É importante atravessarmos todas essas fases do sono e realizarmos vários ciclos de sono durante a noite para garantir um descanso completo e reparador.

“O termo higiene do sono refere-se a diversas práticas e hábitos que ajudam a melhorar a qualidade do sono.” 

Quais os sinais de alerta para procurar um profissional?

Ana Luísa Vieira: Dificuldade a adormecer ou a readormecer, cansaço excessivo, sono durante o dia, necessidade incontrolável de mexer as pernas à noite, são alguns dos motivos que devem motivar as pessoas a procurar a ajuda de um profissional especializado. Outros sintomas como ressonar, realizar paragens respiratórias, acordar muitas vezes durante a noite, podem ser sinais de alerta. É essencial analisar todos estes sintomas em consulta especializada de Medicina do Sono e realizar uma avaliação adequada para diagnosticar distúrbios do sono.

O que é a apneia do sono?

Ana Luísa Vieira: Não há dados precisos sobre a prevalência da apneia de sono em Portugal. No entanto, estima-se que um número significativo de portugueses sofram de apneia do sono, muitos dos quais não estando cientes disso. A apneia do sono é uma condição grave que ocorre durante o sono, caraterizada pelo colapso da via aérea, interrompendo o fluxo de ar do nariz aos pulmões e resultando em episódios de apneia, com suspensão da respiração por mais de 10 segundos, ocorrendo mais de cinco vezes por hora. Esses episódios de apneia interrompem as fases do sono, impedindo o corpo de descansar e de recuperar adequadamente. Como resultado, as pessoas com apneia do sono frequentemente sentem cansaço e sono durante o dia, o que tem um impacto negativo na sua qualidade de vida.

“Dificuldade a adormecer ou a readormecer, cansaço excessivo, sono durante o dia, necessidade incontrolável de mexer as pernas à noite, são alguns dos motivos que devem motivar as pessoas a procurar a ajuda de um profissional especializado.” 

Em que consiste a Consulta do Sono?

Ana Luísa Vieira: Uma consulta de Medicina de Sono, que reúne diferentes especialidades médicas, como Pneumologia, Otorrinolaringologia, Medicina Dentária, Fisioterapia, Terapia da Fala, Pediatria, Estomatologia, Cirurgia Maxilo-Facial, Psiquiatria, Psicologia, Neurologia, entre outras, oferece uma abordagem multidisciplinar abrangente. Essa colaboração entre especialidades permite uma avaliação completa das questões relacionadas com o sono, identificação e tratamento de distúrbios específicos e abordagem de outras condições subjacentes que possam perturbar o sono. Através desta abordagem integrativa, é possível melhorar os hábitos de sono, fornecer um tratamento personalizado para os diferentes distúrbios do sono e compreender melhor as interações entre as doenças crónicas e o sono. Assim, uma consulta de Medicina do Sono desempenha um papel fundamental na identificação e no tratamento abrangente das perturbações de sono, visando melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas.

Medicação nem sempre é sinónimo de solução?

Ana Luísa Vieira: Não podemos descartar a medicação como solução. A medicação é uma opção viável em certas patologias, no entanto, não devemos descartar outras estratégias a longo prazo. Na consulta são exploradas as várias abordagens terapêuticas, quer farmacológicas quer não farmacológicas, para gerir as perturbações de sono. É essencial procurar um profissional de saúde especializado e com competência em Medicina do Sono que possa avaliar de forma personalizada cada caso e oferecer um tratamento abrangente.

“A apneia do sono e o bruxismo são dois distúrbios do sono que podem ocorrer em simultâneo” Beatriz Macedo, médica dentista e Diretora Clínica da Clínica da Botica

Antes de mais, o que é o bruxismo?

Beatriz Macedo: O bruxismo é o ato inconsciente de apertar ou ranger os dentes de forma constante e excessiva, causando pressão sobre os dentes e tensão nos músculos responsáveis pela mastigação. Normalmente costuma provocar dor nas articulações dos maxilares ou dor de cabeça ao acordar, além de causar desgaste nos dentes. Caso o bruxismo não seja identificado e tratado, pode haver desenvolvimento de problemas que envolvam o funcionamento da articulação temporomandibular, conhecida como ATM, que é a articulação que liga a mandíbula ao crânio

É mais comum acontecer durante o sono?

Beatriz Macedo: O bruxismo pode ocorrer em qualquer hora do dia, mas é mais comum à noite, durante o sono. O bruxismo noturno pode ser causado por fatores como stress ou ansiedade, mas pode estar também relacionado com disfunções respiratórias, como a apneia do sono, por exemplo. Aliás, a apneia do sono e o bruxismo são dois distúrbios do sono que podem ocorrer em simultâneo. Por outro lado, as dores de cabeça provocadas pelo bruxismo podem, também elas, provocar insónias. E, consequentemente, o som de ranger os dentes durante a noite, pode atrapalhar o sono de quem partilhe o quarto com alguém que sofra de bruxismo.

Quais os sintomas mais comuns?

Beatriz Macedo: Contrações dos músculos maxilares, dor de cabeça logo pela manhã, músculos mandibulares tensos ou doridos, um certo desconforto, ou até mesmo dor ao abrir a boca completamente, especialmente de manhã, dores faciais prolongadas, dentes danificados, esmalte estalado e gengiva inflamada, assim como dor na ATM.

Que consequências tem o bruxismo?

Beatriz Macedo: Há pessoas que descobrem que têm bruxismo quando fazem uma consulta de rotina que deteta desgaste dos dentes ou esmalte rachado. Por vezes começa a observar-se dentes retos e sem rebordo.

Por outro lado, também existe mais sensibilidade dentária, porque já não temos o esmalte a proteger a dentina, a camada mais amarelada debaixo do esmalte. Em fases avançadas, certos pacientes não conseguem sequer bocejar.

O que é avaliado nesta primeira consulta da disfunção temporomandibular e da dor orofacial?

Beatriz Macedo: Diversas variáveis, desde os hábitos de sono da pessoa, assim como uma completa análise dos dentes e dos músculos da mandíbula e em torno desta. Um exame mais detalhado pode ser necessário se suspeitarmos que o bruxismo possa estar relacionado com problemas dentários (má oclusão). Além de verificar a mordida, ou seja, como os dentes superiores e inferiores se unem, vamos examinar os dentes e a gengiva em busca de danos causados pelo bruxismo. No fundo, passa sobretudo por identificar a causa e iniciar o tratamento mais adequado, que normalmente inclui a utilização de uma goteira na hora de dormir para evitar o desgaste dos dentes. Por vezes, temos de recorrer a aparelho ortodôntico para fazer o avanço do dente e a movimentação da mandíbula.

“A realização de um estudo do sono é indispensável para confirmar ou excluir o diagnóstico de doenças do sono.” Cristina Ribeiro, Técnica de Cardiopneumologia com Especialização em Fisiopatologia do Sono e Ventilação Não Invasiva

Qual o primeiro passo para diagnosticar doenças do sono?

Cristina Ribeiro: Normalmente os pacientes vêm já encaminhados da consulta da Medicina do Sono, sendo a realização de um estudo do sono indispensável para confirmar ou excluir o diagnóstico de doenças do sono. Durante o estudo, são monitorizados e registados diversos dados que são avaliados por um especialista do sono.

Que tipo de estudos do sono existem?

Cristina Ribeiro: O exame mais comumente realizado para os distúrbios respiratórios é a polissonografia, que tem como finalidade conhecer a estrutura do sono e ocorrência de alterações que influenciem a qualidade do sono. Pode ser realizado no domicílio, ou em laboratório/contexto hospitalar.

Existem vários níveis de estudos do sono, sempre sob o acompanhamento e supervisão de técnicos de diagnóstico experientes, com a missão de avaliar o sono através de dados obtidos por via da utilização de sensores colocados na superfície corporal antes do doente adormecer. Sensores esses que permitem recolher e registar a frequência e o ritmo cardíaco, a frequência e o ritmo respiratório, as alterações no fluxo aéreo, o esforço respiratório, o nível de oxigénio no sangue, a posição corporal e o ressonar.

“O exame mais comumente realizado para os distúrbios respiratórios é a polissonografia, que tem como finalidade conhecer a estrutura do sono e ocorrência de alterações que influenciem a qualidade do sono.” 

Em que situações há indicação para fazer um estudo do sono?

Cristina Ribeiro: O estudo do sono é prescrito pelo médico quando existe suspeita de alguma doença do sono. Está indicado em casos de sonolência diurna frequente, dificuldade em permanecer acordado durante tarefas importantes, assim como em casos de suspeita de paragens respiratórias (apneia) ou na obesidade associada a dificuldades no sono.

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