SAÚDE Entrevista a Pedro Morgado, psiquiatra, investigador e vice-presidente da Escola de Medicina da Universidade do Minho By Revista Spot | Outubro 8, 2021 Outubro 8, 2021 Share Tweet Share Pin Email A Psiquiatria como um importante guia da sociedade No mesmo ano em que integrou investigações de relevo sobre o impacto da Covid-19 sobre o bem-estar físico e psíquico da população, venceu o maior prémio alguma vez atribuído a nível nacional na área da saúde mental, com um projeto inovador que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes com perturbação obsessivo-compulsiva. Pedro Morgado, psiquiatra no Hospital de Braga, investigador, docente e vice-presidente da Escola de Medicina da Universidade do Minho, garante que é essencial um olhar atento sobre a saúde mental e em concreto sobre o papel da Psiquiatria, esse importante guia da sociedade em que vivemos… Coordenou investigações de relevo a nível nacional e internacional sobre o impacto da COVID-19 no bem-estar físico e mental da população. Quais foram as grandes conclusões destes estudos? A primeira conclusão destes estudos demonstra-nos que o sofrimento das pessoas aumentou: aumentaram os níveis de ansiedade, os sintomas depressivos, assim como os pensamentos obsessivos e os comportamentos de natureza compulsiva. Os estudos demonstram-nos também que este aumento do sofrimento não foi democrático, ou seja, atingiu de uma forma mais significativa as pessoas que já tinham doenças psiquiátricas, assim como as pessoas desempregadas, ou que por causa da pandemia perderam o seu trabalho e, por fim, as faixas etárias mais jovens. A investigação revelou-nos igualmente que há um pico de sofrimento e depois uma adaptação e também essa adaptação é diferencial, nomeadamente em pessoas com outras doenças, que não psiquiátricas, e que têm mais dificuldade de adaptação à situação, assim como em pessoas com elevados níveis de neuroticíssimo, que, pela sua natureza, já reagem de uma forma mais excessiva à adversidade, assim como, mais uma vez, em pessoas desempregadas, ou sem qualquer ocupação, um fator de risco para o desenvolvimento de doenças psiquiátricas. Nunca se falou tanto de burnout como agora, um termo hoje presente em inúmeras situações do quotidiano. Afinal o que é isto da Síndrome de Burnout? A Síndrome de Burnout é uma condição em que existe sofrimento, uma diminuição da eficácia, da funcionalidade da pessoa, relacionada com uma sobrecarga do ponto de vista laboral, ou académico, ou seja, a pessoa está em exaustão. Além das consequências pessoais e organizacionais, o burnout é um fator de risco para o desenvolvimento de doenças psiquiátricas, como a depressão e as perturbações ansiosas, para mencionar as mais comuns. Por isso é que o burnout está hoje na ordem do dia, porque todos nós percebemos que, enquanto sociedade, temos de ter formas de trabalho que sejam promotoras de saúde e não geradoras de doença. “O burnout está hoje na ordem do dia, porque todos nós percebemos que, enquanto sociedade, temos de ter formas de trabalho que sejam promotoras de saúde e não geradoras de doença…” Há uma correlação cada vez maior entre a preocupação com o sucesso da carreira e o aumento significativo de perturbações relacionadas com a saúde mental? Sim. Esta semana saiu um estudo que apontava que, particularmente em Portugal, um grande número de jovens não tem esperança no futuro. E eu penso que isso é um problema da sociedade e que está muito relacionado com todos estes fatores, nomeadamente as narrativas individualistas do sucesso e do empreendedorismo, que fazem com que as pessoas acreditem que, se elas quiserem, sozinhas, conseguem tudo e isto é mentira, porque nós só conseguimos ser bem sucedidos se tivermos um contexto, que implica organização da sociedade, dinâmica familiar, o ter tido acesso a uma educação de qualidade, poder ter serviços de saúde de qualidade, poder ter paz social e segurança. Quando as coisas não correm bem, as pessoas interpretam isso como insucesso pessoal e individual, o que não é, de todo, verdade, porque muitas vezes o insucesso tem a ver com dificuldades que nos são externas. Isto é um fator de risco para o desenvolvimento de burnout, situações de ansiedade e quadros depressivos. Estudou também recentemente a importância e eficácia da psicoterapia no tratamento do jogo patológico… Em Portugal considero que existem, neste momento, dois fenómenos aos quais devemos dar particular atenção, um é o das apostas desportivas online, uma modalidade de jogo que tem um elevado risco de adição e que aumentou durante a pandemia, e por outro lado as raspadinhas, porque são baratas, de fácil acesso e compreensão e um jogo em que a retribuição é imediata, e, portanto, com riscos aditivos consideráveis. Uma percentagem das pessoas que joga desenvolve doenças e curiosamente essas pessoas, que estão doentes, e que jogam excessivamente, são responsáveis por grande parte dos lucros porque jogam muito mais. Enquanto sociedade devemos perceber quem são estas pessoas e providenciar-lhes um tratamento adequado e ser mais exigentes com a regulamentação deste tipo de jogos, nomeadamente ao nível da publicidade. Acredita que, apesar de tudo, existe, hoje em dia, mais literacia face às questões relacionadas com a saúde mental? Penso que uma das coisas positivas que a pandemia nos trouxe foi a oportunidade de falarmos mais sobre o sofrimento. Mas enquanto sociedade ainda nos falta olhar para a doença psiquiátrica da mesma forma que olhamos para qualquer outra doença. Porque a doença psiquiátrica é uma doença do cérebro, que precisa de ser tratada, tal como todas as outras doenças. Precisamos de destigmatizar cada vez mais a doença e os tratamentos na área da saúde mental. Este ano venceu a 1ª edição do Science Award Mental Health da FLAD com um projeto inovador que visa melhorar o diagnóstico e a qualidade de vida dos doentes com perturbação obsessivo-compulsiva. Que sabor tem vencer o maior prémio do país na área da saúde mental? O prémio deixou-nos muito felizes e representa uma grande responsabilidade. Por um lado, colocou no centro da atenção uma doença que, apesar de ser muito prevalente e incapacitante, é pouco considerada, tanto em termos mediáticos, como em termos daquilo que são as políticas de saúde de investigação em Portugal, por outro, reconhece algo que fazemos aqui na Escola de Medicina da Universidade do Minho há muito tempo, que é investigar as doenças desde as bases moleculares, até às repostas que são aplicadas aos doentes. Aquilo a que nos propusemos com este prémio foi aplicar às pessoas que têm esta doença, e que são acompanhadas no Hospital de Braga, o conhecimento que desenvolvemos há quase 10 anos, a tentar controlar sintomas da doença obsessivo-compulsiva. “É um privilégio aprendermos na prática clínica com pessoas que sofrem tanto e que experienciam o que é o seu funcionamento psíquico estar afetado por uma doença.“ Quais os principais passos e grandes objetivos desta investigação? O estudo tem duas fases, uma fase em que vamos continuar a tentar perceber o que está disfuncional no cérebro das pessoas com perturbação obsessivo-compulsiva, identificando mais cedo os medicamentos que funcionam em cada pessoa e também as alterações cerebrais que ajudam a predizer essa resposta. Na segunda fase, vamos testar um medicamento que já é usado para tratar a doença de Parkinson, mas que atua em neurotransmissores que sabemos estarem envolvidos na perturbação obsessivo-compulsiva, precisamente no sentido de perceber se este alivia o sofrimento das pessoas com a doença. Se as conclusões da investigação forem positivas, vamos poder utilizar este fármaco para tratar a doença de uma forma mais generalizada. Enquanto médico, investigador e membro da Direção do Colégio de Especialidade de Psiquiatria na Ordem dos Médicos considera que a Psiquiatria se assume cada vez mais como um ‘importante guia da sociedade’? Claramente. No último editorial da Revista Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, escrevi que precisamos de uma Psiquiatria em diálogo com a sociedade. A Psiquiatria é a guardiã da liberdade das pessoas e por isso tem de ser valorizada porque é, de facto, a especialidade que garante este equilíbrio que é preciso manter entre todos e que protege as pessoas de algum ímpeto que existe, por vezes, de patologizar tudo e de chamar a tudo doença. Criou uma aplicação para ajudar médicos a receitar antidepressivos e ‘tornar o tratamento da depressão mais personalizado’, como funciona esta app e o que vem permitir? Aquilo que essa aplicação e uma outra que apresentamos recentemente fazem é reunir a informação científica disponível e criar algoritmos que simplificam o processo de decisão clínica. Ao agregar a informação científica atual, é uma excelente ferramenta de apoio à decisão, que vem simplificar o trabalho dos médicos em contexto de consulta. É professor na Escola de Medicina da Universidade do Minho, da qual é também vice-presidente. No seu entender este vínculo à academia é essencial pelas importantes pontes que constrói? Os ganhos acontecem nos dois sentidos, os estudantes beneficiam do facto de terem professores que veem doentes todas as semanas e que conhecem as dificuldades e aquilo que é o trabalho no terreno e, por outro lado, os doentes também ganham quando existem pessoas que fazem investigação e que conhecem os seus problemas efetivos e, portanto, podem trazer para a investigação as questões mais próximas da prática clínica. “Enquanto sociedade ainda nos falta olhar para a doença psiquiátrica da mesma forma que olhamos para qualquer outra doença.” Porquê a Psiquiatria e não outra área? Do ponto de vista pessoal sempre tive uma grande curiosidade pelo comportamento humano e pelo funcionamento do cérebro, além disso não me via noutra especialidade na qual não tivesse este privilégio de estar tão perto da sociedade e de poder intervir nela de uma forma tão determinante. Por outro lado, é um privilégio aprendermos na prática clínica com pessoas que sofrem tanto e que experienciam o que é o seu funcionamento psíquico estar afetado por uma doença. Quando contactamos de perto com essas experiências de vida, também enriquecemos a nossa própria vida e ganhamos recursos para gerir as nossas próprias dificuldades e para mudarmos enquanto pessoas. Por isso considero que é um grande privilégio ser psiquiatra. Adaptando a frase de Joaquim Pinto Machado “Nada do que é humano deve ser estranho ao médico? Eu diria que nada do que é humano pode ser estranho a um médico. Se alguma coisa humana me for estranha, e se eu não refletir sobre dela, quando for confrontado com essa situação provavelmente não vou estar preparado para lidar com ela. E essa é a importância de conhecer o mundo e de, enquanto médicos, respeitarmos a diversidade que existe. Por isso acredito mesmo que a formação em Artes e Humanidades tem de fazer parte da formação médica. Dizia numa entrevista que ‘Não há uma rede de saúde mental com capacidade de responder a todas as necessidades’. Ainda há muito a fazer pela Psiquiatria em Portugal? A rede de saúde mental que existe hoje é muito melhor do que era há 10 anos, mas é uma rede ainda insuficiente. É preciso que a sociedade, que é tão exigente quando uma pessoa tem um cancro e tem uma demora no acesso aos cuidados que são necessários, também seja capaz de exigir que uma pessoa com depressão tenha consultas a tempo e horas e acesso aos tratamentos. O problema é que o modelo de financiamento da Psiquiatria e as métricas utilizadas para medir o sucesso do nosso trabalho estão perfeitamente desajustadas. É óbvio que é muito importante o tempo que uma pessoa aguarda até chegar a uma primeira consulta com o seu psiquiatra, mas são também essenciais as condições que o psiquiatra tem para voltar a atender novamente essa pessoa. As métricas que existem só valorizam o primeiro aspeto, não estão tão interessadas em perceber esta continuidade de cuidados e se ela é adequada, ou não. Entrevista a Carlos Branco, Presidente da Comissão de Proteção ao Idoso Tiago Pinhão Terapias Partilhadas: Um olhar clínico e terapêutico conjunto sobre a patologia
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