Psicologia “Ignorar as nossas emoções é agir contra nós próprios, amplificando-as e impedindo que orientem a nossa vida de forma saudável” By Revista Spot | Outubro 1, 2024 Outubro 1, 2024 Share Tweet Share Pin Email Num mundo cada vez mais acelerado e repleto de desafios, a regulação emocional tornou-se um ‘escudo protetor’ essencial para o bem-estar e a saúde mental. Segundo Cátia Braga, psicóloga clínica, todos nós enfrentamos, diariamente, uma série de situações que desafiam os nossos limites emocionais. Contudo, quando não conseguimos identificar ou compreender o que estamos a sentir, corremos o risco de sermos subjugados por essas emoções. É precisamente aqui que entra o conceito de regulação emocional: a capacidade de identificar, compreender e gerir de forma eficaz o que sentimos. “Aprender a identificar e lidar com as emoções de forma adequada é como fortalecer um músculo que nos ajuda a manter o controlo da nossa vida.”, salienta. De que forma a capacidade de gerir as emoções pode funcionar como um ‘escudo protetor’ no dia-a-dia e nas interações sociais? Num mundo em que somos constantemente desafiados por situações imprevisíveis e exigentes, a regulação emocional torna-se crucial para mantermos o equilíbrio e evitar que emoções intensas, como raiva, medo ou ansiedade, nos controlem. No nosso dia-a-dia, enfrentamos inúmeras situações que testam os nossos limites emocionais. Momentos de frustração, insegurança ou culpa são normais e fazem parte da experiência humana. Contudo, quando não temos consciência do que estamos a sentir ou não desenvolvemos a capacidade de identificar essas emoções, podemos facilmente ser dominados por elas. É aqui que surge o conceito de regulação emocional — a capacidade de identificar, compreender e gerir as nossas emoções de forma eficaz. A falta dessa competência pode levar a reações desproporcionais, onde pequenas situações se tornam grandes crises emocionais. Esse tipo de situações pode prejudicar não só o nosso bem-estar emocional como também as nossas relações interpessoais. Aprender a reconhecer e a lidar com as emoções de forma adequada é como fortalecer um ‘músculo’ que nos ajuda a manter o controlo da nossa vida e a viver com mais equilíbrio e satisfação. Qual é a diferença entre emoções primárias e secundárias e de que forma cada uma delas impacta o nosso comportamento e tomada de decisões? As emoções são complexas e desempenham um papel fundamental nas nossas vidas. Existem diferentes sistemas de categorização das emoções mas uma que pode ser particularmente útil para as pessoas compreenderem é aquela usada pela terapia focada nas emoções (EFT), um modelo de psicoterapia particular que é suportada cientificamente. As emoções primárias são reações imediatas a estímulos externos ou internos e são universais, ou seja, são sentidas não só por humanos, mas também por muitos animais. Exemplos incluem o medo, a raiva, a alegria, a tristeza e o nojo. Essas emoções surgem rapidamente e de forma instintiva, funcionando como um sistema de alerta que nos ajuda a responder a situações específicas. Por exemplo, o medo pode levar-nos a evitar perigos, enquanto a raiva pode motivar-nos a definir limites quando alguém nos desrespeita. Por outro lado, as emoções secundárias surgem em resposta às emoções primárias. Elas são mais complexas e frequentemente envolvem um processamento cognitivo mais profundo. As emoções secundárias podem incluir sentimentos como culpa, vergonha ou orgulho, que se desenvolvem a partir das nossas reflexões sobre as emoções que estamos a sentir ou sobre os nossos pensamentos. Por exemplo, podemos sentir raiva por estarmos tristes, o que pode dificultar a nossa capacidade de lidar adequadamente com a tristeza. Esse tipo de reação é influenciado por fatores como a nossa história de vida, experiências passadas e normas culturais. A interação entre emoções primárias e secundárias é crucial. Muitas vezes, as emoções secundárias podem obscurecer as primárias, impedindo-nos de lidar com a situação de maneira adaptativa. Por exemplo, numa situação em que uma pessoa se sente rejeitada, pode reagir com raiva, quando, na verdade, o que sente é uma profunda tristeza pela perda ou pela possibilidade de afastamento. Essa sobreposição pode dificultar a autorreflexão e a comunicação emocional eficaz, levando a mal-entendidos e conflitos nas relações. No contexto terapêutico, o objetivo é ajudar as pessoas a desbloquear e processar as emoções primárias que estão por trás das reações secundárias, o que permite uma abordagem mais saudável e consciente na tomada de decisões e na gestão das relações interpessoais. Existem técnicas para lidar com as emoções em situações de alta tensão? Não podemos esperar ter um desempenho emocional eficaz sem investir tempo e esforço no desenvolvimento dessas competências. No entanto, existem algumas técnicas que podem ser úteis em momentos particularmente ativadores. Uma técnica eficaz que pode ser utilizada em momentos de consiste em submergir o rosto em água fria. Este método ativa uma resposta fisiológica natural, o reflexo de mergulho, que provoca uma desaceleração do batimento cardíaco, reduzindo, consequentemente, a ansiedade. Embora possa parecer inusitado, submergir o rosto em água fria pode ser muito eficaz para diminuir a intensidade da ativação emocional. Além disso, as técnicas de respiração são ferramentas poderosas que podemos empregar em qualquer lugar. Um exemplo é o chamado ‘suspiro fisiológico’, que envolve fazer duas inspirações seguidas – uma mais lenta e profunda e uma segunda mais rápida – seguidas por uma expiração lenta e prolongada. Este exercício pode ajudar a desacelerar o ritmo cardíaco e induzir uma sensação de relaxamento. Os sinais de desregulação emocional podem ser ‘visíveis’? Há dois sinais que merecem destaque. O primeiro é quando percebemos que as nossas emoções—seja a ansiedade, a raiva, a tristeza ou o medo—começam a interferir no nosso funcionamento diário ou nalguma das áreas da nossa vida. Por exemplo, se a ansiedade nos impede de fazer uma apresentação no trabalho ou se a tristeza nos impede de fazer coisas que costumávamos gostar de fazer, isso indica uma desregulação emocional. Igualmente, se a raiva se manifesta em conflitos frequentes com um parceiro, isso sinaliza que as emoções estão a ter um impacto negativo nas nossas interações. O segundo sinal é o nível de sofrimento que as emoções nos provocam. Este sofrimento pode não estar necessariamente a impedir o nosso funcionamento mas revela-se no desconforto emocional persistente. Por exemplo, sentir-se desmotivado e sem energia todos os dias, ou irritar-se excessivamente com situações corriqueiras, são indicações de que algo não está bem. Esses sinais podem parecer subtis, mas são infalíveis e não devem ser desvalorizados. A desregulação emocional pode afetar não apenas o desempenho no trabalho, como também a qualidade dos relacionamentos e a construção de vínculos saudáveis. Quando não conseguimos gerir as nossas emoções, corremos o risco de comprometer a comunicação eficaz, de termos reações desproporcionais e de nos afastarmos das pessoas. A cultura e o ambiente social influenciam a forma como aprendemos a lidar com as nossas emoções? Se olharmos para as gerações anteriores, perceberemos que as emoções, assim como as perturbações emocionais, eram frequentemente desvalorizadas ou até mesmo rejeitadas. Muitas vezes, não havia espaço para expressar a tristeza ou qualquer outra emoção considerada ‘vulnerável’. Essa falta de entendimento e aceitação e teve um impacto significativo nas atitudes de cada geração em relação às emoções, levando muitos a esconderem a sua vulnerabilidade. Por exemplo, a ideia de que ‘homem não chora’ ainda persiste, criando uma barreira que dificulta a expressão emocional masculina. Em contrapartida, as mulheres muitas vezes são vistas como mais emocionais ou frágeis, perpetuando estereótipos que limitam a forma como todos lidam com as suas emoções. No entanto, temos vindo a observar uma mudança positiva nas últimas décadas. Hoje, as escolas, por exemplo, têm educadores que se preocupam em falar sobre emoções com crianças desde tenra idade. O filme ‘Divertidamente’, que explora de forma acessível e divertida as emoções, é um ótimo exemplo de como a cultura popular está a contribuir para a literacia emocional. Este tipo de diálogo é essencial, pois pode ajudar a prevenir problemas emocionais e promover uma melhor regulação emocional ao longo da vida. Além disso, a dinâmica familiar também desempenha um papel importante. Famílias que são mais abertas à discussão sobre emoções e que promovem um ambiente seguro para as expressar permitem que os seus membros desenvolvam competências emocionais mais saudáveis. Por outro lado, em contextos familiares onde as emoções são reprimidas, pode haver uma dificuldade maior em regular as emoções, afetando a saúde mental. Há uma correlação entre regulação emocional e perturbações como depressão e ansiedade? Tanto a depressão como as várias perturbações de ansiedade, incluindo a ansiedade generalizada, a perturbação de pânico, as fobias ou mesmo a perturbação obsessiva-compulsiva, partilham um denominador comum: as dificuldades na regulação emocional. Esta competência, que envolve a capacidade de perceber, compreender e responder às nossas emoções de maneira saudável, é fundamental para o nosso bem-estar psicológico. A regulação emocional não apenas influencia a gravidade e a natureza das perturbações emocionais, mas também é um foco central em abordagens terapêuticas contemporâneas. Existe uma crescente utilização de intervenções transdiagnósticas, que visam a regulação emocional como um tratamento eficaz para diversas condições psicopatológicas. Isto reflete a compreensão de que apostar na regulação emocional é a melhor forma de prevenirmos não só a depressão e a ansiedade, mas também outras perturbações, como problemas alimentares, sexuais e até mesmo algumas perturbações de personalidade. O uso excessivo de redes sociais pode afetar a regulação emocional? Muitas pessoas recorrem às redes sociais como uma forma de evitar emoções desconfortáveis, como o tédio, a ansiedade ou a solidão. Em vez de enfrentarem essas emoções, optam por navegar pelas redes sociais, procurando distração em vez de se permitirem sentir e processar as suas emoções. Esta fuga digital pode parecer uma solução rápida, mas, a longo prazo, impede o desenvolvimento de estratégias mais saudáveis de gestão emocional, com todas as consequências negativas que isso pode trazer para a nossa vida. Nos dias de hoje estar sentado num café ou num parque sem fazer nada é, de certa forma, visto como estranho. Essa capacidade de simplesmente estar presente, observar e sentir é cada vez mais rara, com muitas pessoas a sentirem-se compelidas a preencher cada momento de pausa com a utilização do telemóvel. Esse evitamento da experiência emocional impede o fortalecimento da resiliência emocional e pode, consequentemente, levar a um aumento da vulnerabilidade a problemas de saúde mental. Por conseguinte, é vital que as pessoas reconheçam o impacto das redes sociais na sua vida emocional e procurem um equilíbrio saudável. Uma gestão emocional saudável deve evitar suprimir ou ignorar emoções desconfortáveis? As pessoas devem começar por compreender que as emoções existem por uma razão. Elas dão-nos pistas importantes em relação ao que se passa à nossa volta e motivam-nos a restabelecer o equilíbrio. Da mesma forma que a fome é um sinal de que precisamos de nutrientes, as emoções sinalizam necessidades importantes que temos e que devemos suprir. Quando tentamos ignorar ou suprimir as emoções estamos a trabalhar contra nós próprios não só porque elas voltam mais tarde com mais força como também estamos a impedir que elas orientem a nossa vida de forma saudável. Por exemplo, a tristeza aparece em resposta a situações de perda e ao diminuir a nossa energia permite-nos focar menos em atividades físicas e mais na reflexão que nos ajuda a processar os acontecimentos de forma a reorientarmos a nossa vida. A raiva surge em situações em que nos sentimos injustiçados e dá-nos a energia necessária para defendermos os nossos direitos, a ansiedade surge face a uma situação futura potencialmene negativa e dá-nos a ativação necessária para nos prepararmos. Portanto, a chave para uma gestão emocional eficaz reside na aceitação e na validação das nossas emoções, permitindo-nos navegar pela vida de uma forma mais plena, consciente e saudável. O autoconhecimento e a autoaceitação, potenciados pela autorregulação emocional, são também uma forma de desenvolvimento pessoal? Sem dúvida. A autorregulação emocional desempenha um papel importante no autoconhecimento e na autoaceitação, ambos fundamentais para o desenvolvimento pessoal. Ao trabalharmos a nossa capacidade de regular as emoções, tornamo-nos mais conscientes de nós mesmos, permitindo uma reflexão mais profunda sobre as nossas experiências e comportamentos. Ao conhecermos melhor as nossas emoções, podemos perceber, por exemplo, por que é que sentimos bloqueios na nossa carreira ou nas nossas relações pessoais. Muitas vezes, estas dificuldades podem estar ligadas a emoções não expressas ou mal compreendidas. Além disso, a regulação emocional não se limita a lidar com emoções negativas como raiva, medo ou tristeza. É igualmente importante saber experienciar e aceitar emoções positivas. Há pessoas que, por sentirem que não são merecedoras de alegria ou que a felicidade traz consigo a expectativa de uma desilusão futura, acabam por suprimir esses sentimentos. Essa repressão pode criar uma estagnação emocional que afeta não só a vida pessoal, mas também a vida profissional. A regulação emocional é uma competência essencial, semelhante ao cuidado que temos com o nosso corpo. Tal como sabemos que precisamos de nos exercitar e de nos alimentarmos de forma saudável, devemos também aprender a identificar quando estamos a sentir emoções intensas e a que motivo elas se devem. Esta consciência é fundamental para um desenvolvimento pessoal saudável e equilibrado. Em termos de impacto no ambiente profissional, as empresas estão a valorizar cada vez mais as ‘soft skills’. A capacidade de gerir emoções não é apenas benéfica para a pessoa, mas também para a equipa e a organização como um todo. Um líder que compreende as suas emoções e as dos outros pode promover um ambiente de trabalho mais saudável e colaborativo. Ao investirmos na nossa saúde emocional, não só melhoramos a nossa qualidade de vida, mas também criamos um impacto positivo nas pessoas que nos rodeiam. Como é que as competências de gestão emocional podem ser transmitidas à próxima geração? A transmissão de competências de gestão emocional para a próxima geração é um desafio crucial que pode moldar a forma como as crianças enfrentam os altos e baixos da vida. Uma das maneiras mais eficazes de ensinar estas competências é através do exemplo. As crianças são observadoras atentas e aprendem muito através do comportamento dos adultos ao seu redor. Portanto, é essencial que os pais trabalhem na sua própria regulação emocional. Se os pais demonstram a capacidade de identificar, aceitar e gerir as suas emoções, as crianças estarão preparadas para fazer o mesmo. Quando uma criança expressa emoções como raiva ou tristeza, o papel dos pais é fundamental. Em vez de desconsiderar ou criticar essas emoções, os pais devem ajudar a criança a nomeá-las e a compreender que todas as emoções são válidas. Por exemplo, ao dizer: ‘Parece que estás a sentir-te zangado, e isso é normal’, os pais ajudam a criança a normalizar a sua experiência emocional. É vital que as crianças saibam que sentir emoções não é mau; o que realmente importa é como escolhemos agir com base nessas emoções. Além disso, os pais podem ensinar estratégias práticas de regulação emocional. Por exemplo, se a criança estiver a sentir-se sobrecarregada pela raiva, pode ser útil sugerir que ela faça uma pausa e respire fundo ou até mesmo que saia para dar uma volta. Atividades lúdicas, como jogos que envolvam personagens a lidarem com emoções, podem ser uma forma eficaz de modelar comportamentos saudáveis. Através da brincadeira, as crianças podem aprender a identificar as emoções em si mesmas e nos outros, além de experimentarem formas de lidar com elas. Outro ponto importante é evitar a crítica. Muitas vezes, as crianças internalizam mensagens negativas que podem levar a um ciclo de autojulgamento. Em vez de dizer ‘Devias ser forte’ ou ‘Não devias sentir isso’, os pais devem encorajar um diálogo interno mais gentil e compreensivo. Falar sobre emoções e validar a experiência emocional pode prevenir que uma simples tristeza ou ansiedade se transformem em problemas mais complexos. É importante que os pais também se cuidem. A saúde mental dos adultos impacta diretamente a saúde emocional das crianças. Quando os pais se sentem exaustos ou sobrecarregados, isso pode resultar em tensão no ambiente familiar. O autocuidado não deve ser visto como egoísmo; na verdade, é um ato de responsabilidade para com a família. Um ambiente saudável é aquele onde todos os membros têm espaço para crescer emocionalmente. Por último, a comunicação aberta dentro da família é essencial. Criar um espaço onde as crianças se sintam seguras para expressar as suas emoções sem medo de julgamento é fundamental. Este diálogo pode ser uma forma poderosa de fortalecer laços familiares e construir um entendimento mútuo. A capacidade de regular emoções é uma competência valiosa que pode beneficiar não só os indivíduos, mas também as suas relações e, em última análise, a sociedade. Morada: Avenida da Liberdade, nº 124, Piso 1- Sala 10, 4715-037 Braga Contacto: 916776136 Instagram: @catiabragapsicoterapia www.catiabraga.pt “Um corpo que não se movimenta é um corpo que não se transforma” “A tecnologia que encurta distâncias é a mesma que ‘desliga’ pessoas que estão lado a lado”
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