Psicologia “A família é a primeira ‘micro sociedade’ a influenciar a identidade da criança” By Revista Spot | Abril 21, 2025 Abril 22, 2025 Share Tweet Share Pin Email Os comportamentos das crianças são profundamente influenciados pelo ambiente familiar, que constitui o seu primeiro espaço de socialização. A família funciona como uma ‘micro aldeia’, onde se constroem as bases da identidade e se aprendem as primeiras lições sobre as relações humanas. De acordo com a psicóloga Daniela Vilas Boas, a forma como os pais gerem as suas emoções, comunicam e impõem limites reflete-se diretamente no desenvolvimento emocional dos filhos. “Crianças que crescem em ambientes seguros, pautados pelo respeito e pela empatia, tendem a desenvolver uma autoestima sólida e a lidar melhor com as adversidades da vida. Por outro lado, um ambiente marcado pela negligência ou por conflitos pode gerar insegurança, agressividade e dificuldades de adaptação social”, sublinha. Ainda assim, a especialista alerta que a família não é o único fator determinante. A escola, os amigos e até o impacto das redes sociais são também influências relevantes que devem ser consideradas na formação do comportamento e da identidade das crianças. Até que ponto os comportamentos da criança refletem o seu ambiente familiar? A maior parte dos comportamentos da criança são moldados pelo seu ambiente familiar, portanto, diria que uma significativa percentagem da nossa identidade está estritamente relacionada com este ambiente. A família é a primeira estrutura social com que a criança contacta, é o primeiro espaço de socialização; é como se fosse uma ‘micro aldeia’. É onde aprende a relacionar-se com o outro, a compreender o mundo e a si mesma e a construir a sua identidade. Se refletirmos sobre um dos processos primordiais na nossa aprendizagem, a imitação, facilmente percebemos o poder que cada família tem no desenvolvimento de cada um de nós. Se observarmos um ambiente de respeito, diálogo, e estabilidade aumentamos a probabilidade de desenvolvermos comportamentos de segurança e empatia. No sentido contrário, se crescemos num ambiente marcado por negligência, violência e conflitos, podemos apresentar comportamentos de agressividade e insegurança. Ainda assim, e realçando a importância e influência do ambiente familiar, este não determina tudo. A escola, os amigos, as redes sociais e outros meios de comunicação e, as caraterísticas da própria criança também são fatores muito relevantes e que devem ser olhados e analisados com muita atenção. Qual a importância da participação ativa dos pais na terapia infantil? Não tenho o menor receio em afirmar que a participação ativa dos pais é um dos pilares fundamentais para o sucesso de um processo terapêutico na infância. O envolvimento dos pais ou dos cuidadores e a tomada de consciência destes sobre determinadas ações são variáveis com um enorme impacto para o desenvolvimento emocional saudável da criança. – Costumo dizer a vários pais que não há qualquer vantagem em ter a criança emocionalmente estável no consultório e depois não haver oportunidade e espaço para ela levar as competências aprendidas aqui -. Na verdade, é na família e na escola que a criança passa a maior parte do seu tempo e, por isso, estes contextos devem estar constantemente a ser envolvidos no processo. Uma das vantagens no acompanhamento ativo dos pais é que estes passam a compreender muito melhor as dificuldades da criança, olhando para ela de forma mais empática e aprendendo estratégias para lidar com estes desafios. Desta forma, garantimos que aquilo que é aprendido em consulta tem uma continuidade nos contextos naturais da criança. Do ponto de vista da criança, quando esta percebe que os pais estão envolvidos e a apoiá-la, ela sente-se mais segura e acolhida, fortalecendo a sua autoestima e confiança. Estas ações acabam por ir criando um ambiente familiar mais saudável e compreensivo. A forma como os pais lidam com as próprias emoções influencia diretamente o desenvolvimento emocional dos filhos? Sem dúvida! A maneira como os pais lidam com as suas próprias emoções exerce uma influência profunda e duradoura no desenvolvimento emocional dos filhos. Reforçando novamente a imitação como modelo de aprendizagem, percebemos que as crianças, desde muito cedo, veem e imitam os comportamentos dos adultos à sua volta — principalmente daqueles com quem têm uma vinculação mais forte. Desta forma, os pais tornam-se os primeiros modelos de como sentir, expressar e lidar com as emoções. Quando os pais demonstram equilíbrio emocional, reconhecendo os seus sentimentos e lidando com eles de forma saudável, ensinam à criança, de forma implícita, que é possível viver emoções intensas sem perder o controlo. Por outro lado, os pais que não reconhecem, que reprimem as suas emoções ou que reagem de forma descontrolada acabam, muitas vezes sem perceber, por transmitir à criança um conceito desajustado sobre o mundo emocional, podendo gerar insegurança, medo, ansiedade ou dificuldades futuras em expressar os sentimentos. Outro aspeto importante é que quando os adultos têm dificuldade em lidar com as próprias emoções, tendem a ser menos pacientes com os seus filhos, o que pode resultar em relações mais tensas e afastadas. Nestes casos, vê-se aumentada a probabilidade de a criança crescer sem aprender a regular as suas emoções, podendo desenvolver comportamentos impulsivos, dificuldade de lidar com limites e baixa autoestima. Portanto, os pais que cuidam das suas próprias emoções também estão a cuidar das emoções dos filhos! Pais Superprotetores vs. pais ausentes: de que forma estes diferentes perfis afetam a criança? Antes de abordar o impacto de cada um destes estilos de parentalidade, é importante ajudar as pessoas na definição de cada um. Atualmente, entende-se como “Pais Superprotetores” aqueles em que têm como base um estilo de educação onde há um exagero na proteção, impedindo que a criança se desenvolva de forma autónoma e confiante e, muitas vezes, sem o confronto de lidar com frustrações e erros, fatores essenciais para um crescimento emocional saudável. Como “Pais Ausentes”, pode-se considerar aqueles pais que para além de estarem fisicamente ausentes, são emocionalmente distantes, criando um vazio enorme entre pais e filhos. Falta de afeto, desinteresse pelos assuntos relacionados com a criança (gostos pessoais, brincadeiras, atividades, escola, saúde, entre outros) e falta de disponibilidade para conversar são algumas das caraterísticas destes pais. A forma como cada perfil afeta o desenvolvimento de cada criança é, obviamente, diferente. Por um lado, a superproteção transmite, mesmo que de forma inconsciente, a mensagem de que a criança não é capaz de lidar com o mundo sozinha. Isso pode gerar insegurança, medo de errar e dificuldade em tomar decisões. É essencial que as crianças testem os seus limites, façam escolhas, corram pequenos riscos e aprendam com as consequências dessas escolhas. É nesse processo que desenvolvem caraterísticas como a resiliência, a criatividade e sentido crítico. Por outro lado, se crescermos sem nos sentirmos ouvidos ou valorizados, podemos desenvolver sentimentos de rejeição, insegurança e baixa autoestima. Quando os pais são ausentes, a criança assimila que não pode contar com o outro, carregando essa dor, muitas vezes, para outras relações ao longo da vida. Questões como “Será que sou importante?”, “Fiz algo errado?”, “Porque não me valorizam?” podem surgir, levando a um sofrimento psicológico considerável. Pais ausentes dificultam, também, a aprendizagem de referências emocionais importantes fazendo com que a criança cresça “demasiado rápido” ou, pelo contrário, se sinta perdida e sem saber o que fazer, definida muitas vezes como “irresponsável”. É essencial lembrar que nunca é tarde para reconstruir vínculos. A presença verdadeira pode começar com gestos simples: uma escuta atenta, tempo de qualidade, perguntar como correu o dia, partilhando também o seu, e um verdadeiro interesse pela criança. O mais importante é que o afeto seja demonstrado de forma genuína e constante! Como encontrar um equilíbrio entre disciplina e carinho? Este é o grande desafio de uma educação saudável e, ainda que não existam fórmulas mágicas, é importante refletirmos e tomarmos consciência sobre alguns aspetos. A educação deve ter o amor como o grande pilar, mas também sustentar-se em pilares como a assertividade, orientação e limites claros. Encontrar este equilíbrio é fundamental para formar seres humanos confiantes, responsáveis e emocionalmente saudáveis. O mimo a mais não destrói; o que destrói é a falta dele e a pouca definição dos limites e papéis de cada um no seio da família: o afeto e a assertividade complementam-se! O afeto cria um vínculo forte e seguro, no qual a criança se sente valorizada e amada, estando mais disponível para ouvir o outro e a respeitá-lo. Somamos a disciplina, aplicada com respeito e empatia, para que a criança compreenda que a sociedade tem regras, limites e consequências. Assertividade não é agressividade! O diálogo assertivo deve ser acompanhado com explicações, com escuta ativa, sem nunca gritar, humilhar ou punir de forma excessiva. A punição quebra o vínculo afetivo e gera medo, não respeito. Por outro lado, deixar a criança fazer tudo o que quer, por medo de magoá-la, também é prejudicial — ela cresce sem referências claras, sem aprender a lidar com frustrações e sem entender os limites das suas ações. A educação que alia a disciplina com o carinho ensina que é possível dizer um “não” sem gritar, que os erros podem ser oportunidades de aprendizagem e que o amor verdadeiro corrige e orienta para o futuro. Como ensinar os pais a validarem as emoções dos filhos, evitando frases que possam ter um impacto negativo? Antes mesmo de explorarmos esta questão, é importante refletirmos sobre a capacidade dos pais (adultos) escutarem e validarem as suas próprias emoções. Muitas vezes temos uma grande dificuldade em compreender a frustração, as birras e os comportamentos dos mais novos porque não aprendemos a fazê-lo connosco. Em consulta com pais exploro frequentemente este assunto no sentido de os sensibilizar para que também eles aprendam a olhar “para o seu interior” e, eventualmente, estejam mais conscientes para a importância da escuta e validação das emoções na educação com os seus filhos. Esta escuta e validação é muito mais do que ouvir o que eles têm a dizer; é compreender as suas expressões faciais, os seus gestos, a postura… não é necessariamente obrigatório concordarmos com determinado comportamento, mas, principalmente, validarmos e reconhecermos que o que a criança sente é real. Expressões como “deixa-te disso”, “estás a exagerar”, “só fazes drama”, “não é motivo para chorares” desvalorizam aquilo que a criança está a sentir, fazendo com que esta aprenda a camuflar as suas emoções e a digeri-las de forma errada. Mas quando mostramos à criança que a compreendemos, quando a ajudamos a dar um nome àquela determinada emoção e lhe damos espaço para a partilha, fazemos com que ela se sinta acolhida e compreendida. Há algumas práticas consensuais para os pais aplicarem, tais como, olhar nos olhos da criança, dando-lhe a devida atenção, ouvir sem interromper, sem julgar e sem querer dar uma resolução imediata. Ensinar a criança a nomear as emoções e dizer-lhe que não há problema em sentir raiva, tristeza ou medo porque todas as emoções são válidas são comportamentos que devemos adotar numa educação positiva. Por último, quando a criança se sentir validada, ajudá-la a pensar em soluções. Tornando estas práticas como algo constante, não só estamos a formar crianças seguras e confiantes para expressar o que sentem e pensam, mas também, crianças que ouvem e respeitam os outros. Muitos pais sentem culpa por não conseguirem passar tanto tempo com os filhos. Como transformar qualidade em prioridade em vez de quantidade? É, sem dúvida, um ponto delicado e muito comum nos dias de hoje, principalmente porque a rotina da maior parte dos pais é exigente e desgastante. Costumo dizer que há pais que estão fora do país que são mais presentes do que alguns que vivem debaixo do mesmo teto. Isto porque o mais importante é, sem dúvida, a forma como o tempo com os filhos é passado. O tempo de qualidade baseia-se, essencialmente, numa presença consciente, atenta e disponível. É importante que nesses momentos os pais estejam desligados do mundo online e “conectados” com a brincadeira da criança, participando e envolvendo-se na atividade, no jogo; dediquem tempo para ouvir com interesse alguma história ou algum momento do dia do seu filho, procurando interessar-se pelos seus gostos, ideias e opiniões; mostrar afeto é também uma variável crucial para que haja uma perceção de qualidade e que a criança se sinta amada e importante. No fundo, a qualidade do tempo pode ser medida pela dedicação, pelo afeto, pela escuta e pela presença ativa. O que acontece quando os pais delegam a educação emocional dos filhos a terceiros, como professores ou terapeutas? Se voltarmos ao início do texto e continuarmos a analisar a família como a primeira ‘micro sociedade’, facilmente concluímos que a educação emocional deve ser, acima de tudo, construída neste contexto. Devido ao ritmo acelerado em que vivemos hoje em dia, é muito frequente os pais delegarem estas responsabilidades emocionais a professores, educadores, terapeutas, psicólogos ou outros cuidadores da criança. Ainda que estes profissionais sejam essenciais para o desenvolvimento de competências e inteligência emocionais e consigam acolher, ouvir e orientar a criança, o grande motor da educação deve ser sempre a família, pois a presença diária afetiva, empática e reconfortante dos pais terá sempre um impacto muito mais significativo. Quando há esta transferência total para terceiros, pode gerar confusão interna na criança, uma vez que lhe são transmitidas informações num contexto, mas não vê isso a ser aplicado no seu lar. É determinante que aquilo que a criança aprende em consulta ou na escola seja sentido e vivido em casa. Quando há necessidade de procurar ajuda para melhoria do ambiente familiar, os pais devem ser ativos neste papel e aprenderem com os seus filhos. Posto isto, a educação começa em casa, expande-se pelos diferentes contextos, mas volta sempre ao seu ponto de partida: família. Hoje em dia, vemos crianças e pais cada vez mais absorvidos pelos ecrãs. Como estabelecer limites equilibrados dentro de casa? A presença constante dos ecrãs na nossa vida está realmente a transformar a forma como nos relacionamos; recorrendo a um trocadilho que muitas vezes tem sido usado: estamos mais conectados mas emocionalmente mais desconectados. Este uso excessivo das tecnologias tem um impacto profundo na criança e na forma como ela constrói a sua rede emocional. As crianças aprendem sobre empatia, regulação emocional, afeto, respeito ao observarem as suas referências – os pais. Se estes estão a direcionar a sua atenção para um ecrã, a interpretação da criança é de que aquele “mundo” é muito mais interessante do que ela, do que a relação pai/mãe-filho e, do que o contexto real. Ao longo do tempo, isto pode prejudicar o desenvolvimento da autoestima, o comportamento e a forma como essa criança estabelece as suas relações com os outros. No caso da criança, quando a exposição aos ecrãs é exagerada, ela perde oportunidades muito mais ricas para se desenvolver de forma saudável: brincar, imaginar, criar, não desenvolvendo a sua criatividade e competências sociais valiosas para o seu futuro. Em casa, pode ser útil definir algumas regras para uma utilização saudável das tecnologias, tais como, evitar o uso de ecrãs nas refeições, dando prioridade à comunicação; procurar outras formas de entretenimento que potenciem a interação, como jogos de tabuleiro, contar histórias, fazer desenhos, sair para caminhar ou dar um passeio de bicicleta e, outras atividades simples que contribuam efetivamente para vínculos fortes e relações emocionais estáveis. Para os adultos é sempre importante lembrar que eles são o exemplo, portanto, para uma criança se desprender do ecrã, os pais também têm de o fazer. O melhor ponto de equilíbrio será com uma utilização consciente e humanizada das tecnologias, ou seja, fazê-lo de forma atenta e presente. A conexão emocional acontece com escuta, atenção, envolvimento e tempo de qualidade. É fundamental procurar ajuda antes que os problemas se tornem mais graves? Num mundo e sociedade ideais, veríamos a Psicologia como um trabalho preventivo: apostaríamos na educação emocional de forma precoce, para que cada um de nós tivesse um reportório de estratégias suficientes para conseguir “detetar” as fragilidades emocionais, antes de elas se desenvolverem para situações mais complexas. É igualmente importante continuarmos a fazer esforços para se refletir sobre as questões da saúde mental, eliminando os preconceitos e o estigma sobre quem padece de doença ou perturbação psicológica. O que a literatura nos diz é que quanto mais cedo a pessoa procurar ajuda, maiores são as probabilidades de ultrapassar a situação ou de conseguir gerir a dificuldade de uma forma adaptativa, sem impacto significativo na sua vida. Procurar ajuda antes que os problemas se instalem de forma agressiva é um ato de amor e cuidado com os que nos rodeiam, mas, acima de tudo, um ato de amor próprio. Como e quando se apaixonou pela Psicologia? A Psicologia foi entrando na minha vida e eu ainda nem sabia! Desde muito nova que estou envolvida em trabalho para a comunidade (grupos de jovens, essencialmente) e sempre me fascinou o olhar empático sobre o outro, encontrar soluções para os problemas, discutir como os contextos sociais e as experiências de cada um de nós nos definem e nos vão moldando. Aos 15 anos decidi que queria ser psicóloga…no ensino secundário tive contacto com a disciplina – um amor à primeira vista – e, a partir daí, tomei todas as decisões para conquistar esta profissão. Morada: Avenida João Paulo II, 371, sala 15, Barcelos Facebook: Daniela Vilas Boas – Psicóloga Instagram: @dvb_psicologa “Nenhum procedimento estético substitui a nossa rotina de autocuidado diário” Será mesmo mais difícil para as mulheres emagrecer? De acordo com a nutricionista Ana Martins, a resposta é sim — e há uma explicação científica para isso.
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