ESPECIAL MULHER/FORMAÇÃO “A educação artística desconstrói estereótipos” By Revista Spot | Março 10, 2024 Março 10, 2024 Share Tweet Share Pin Email O corpo liberta-se para contar histórias que transcendem as palavras, quebrando barreiras e desafiando estereótipos, num processo criativo que confronta ideias preconcebidas. Criar, questionar, desafiar. A arte, e a dança em particular, convidam-nos a explorar a diversidade que nos rodeia. Mulheres, professoras, bailarinas e questionadoras por natureza, Cristina Mendanha, Carolina Vieira, Gabriela Barros e Mercedes Quijada Rama, afirmam que a arte é uma poderosa ferramenta de transformação social e o verdadeiro impulso para reconhecer a riqueza de experiências que cada pessoa traz consigo, a essência e filosofia da Escola Arte Total. A educação artística tem um papel fundamental na formação da identidade? Carolina: Acredito que a educação artística, especialmente a dança, desempenha um papel essencial na formação da identidade e autoestima das crianças desde cedo. Procuramos incutir nos nossos alunos a ideia de que cada um deles é único e valiosa na sua singularidade, independentemente da sua origem ou condição. É através da dança que os alunos aprendem a expressar-se livremente. Gabriela: Complementando o que a Carolina disse, a educação artística permite-nos abordar uma variedade de temas importantes, como diversidade, inclusão e respeito mútuo. Através da dança, as crianças têm a oportunidade de explorar diferentes perspetivas e experiências, o que as ajuda a desenvolver uma compreensão mais profunda do mundo ao seu redor. Além disso, ao trabalharem em conjunto durante as aulas, elas aprendem a valorizar as opiniões e contribuições dos outros, o que fortalece não só a sua autoestima individual, mas também a sua capacidade de se relacionarem de forma positiva com os outros. Mercedes: Concordo plenamente. Como professora de dança, o meu objetivo é não apenas ensinar técnicas de movimento, mas também ajudar cada aluno a descobrir a sua própria personalidade e potencial. Através do trabalho em equipa e da exploração criativa, eles aprendem a expressar-se de forma autêntica e a confiar nas suas próprias habilidades. Além disso, a dança também é uma forma poderosa de ligar mente e corpo, proporcionando às crianças uma maneira única de se ligarem ao seu eu interior. A dança é uma importante forma de autoconhecimento? Cristina: Nos últimos anos, temos observado uma preocupação crescente com a imagem entre as crianças e isso parece estar a manifestar-se em idades cada vez mais jovens. Suspeitamos que fatores como o impacto das redes sociais e o acesso precoce a determinadas temáticas possam estar a contribuir para isso. Muitas vezes, as crianças veem-se expostas a padrões de beleza irreais e à pressão para se enquadrarem nesses padrões desde muito cedo, e isso pode afetar negativamente a sua perceção de si mesmas. O nosso papel aqui é desafiar essas ideias preconcebidas e oferecer um ambiente seguro e acolhedor para que os alunos se sintam à vontade para expressar as suas preocupações e desabafar. É crucial que eles saibam que são valorizados pelo que são, e não pela sua aparência externa. Ao proporcionar um espaço onde eles possam explorar a sua criatividade e individualidade sem julgamento, ajudamos a promover uma imagem corporal mais positiva e saudável. Gabriela: As crianças de hoje estão constantemente expostas a uma infinidade de referências e expectativas sociais em constante mudança. Elas enfrentam uma pressão significativa para se encaixarem em certos moldes desde cedo, o que pode ser extremamente desafiante. No entanto, aqui os alunos têm a liberdade de serem eles mesmos, sem a necessidade de adotar personas ou seguir padrões externos. Isso é fundamental para promover uma autoimagem saudável e uma mentalidade positiva em relação ao próprio corpo, permitindo que se desenvolvam de maneira autêntica e confiante. A educação artística tem um papel na desconstrução de estereótipos de género e na promoção da igualdade de oportunidades? Gabriela: Absolutamente, acredito que é crucial abordar a igualdade de género, especialmente no âmbito da educação artística. Aqui, exploramos, por exemplo, a História da Arte, com foco nas vanguardas do século XX, o que nos permite abordar questões de género de forma contextualizada e informada. O nosso objetivo não é impor conhecimentos ou doutrinas, mas sim fornecer recursos para que os alunos descubram por si mesmos as diversas perspetivas e realidades que existem. Carolina: Complementando o que a Gabriela disse, temos um projeto chamado Call, onde colaboramos com a Escola Básica do Carandá, do Agrupamento André Soares. Durante essas atividades, recebemos turmas mistas e não fazemos distinção entre meninos e meninas. Todos são tratados da mesma forma e incentivados a participar ativamente. É inspirador ver como os meninos se envolvem de forma entusiasta, sem quaisquer preconceitos prévios em relação à dança. Essa abordagem inclusiva ajuda a desconstruir estereótipos de género e a promover uma visão mais igualitária e diversificada da arte. Cristina: Quando iniciámos o projeto em 2015, enfrentámos resistência devido à perceção de que a dança era apenas para meninas. No entanto, ao longo do tempo, essa mentalidade mudou. É importante desafiar esses estereótipos e garantir que todos, independentemente do género, se sintam livres para explorar as suas paixões e interesses. Mercedes: Concordo plenamente. Da minha experiência, percebo que ainda existem divisões de género no mundo da dança, com pressões específicas sobre como homens e mulheres se devem apresentar. No entanto, é fundamental quebrar essas barreiras e promover um ambiente onde todos se sintam livres para expressar a sua individualidade, sem serem limitados por expectativas de género. O meu objetivo como professora é incentivar os alunos a respeitarem e celebrarem as diferenças, reconhecendo que a dança é uma forma de arte que transcende as divisões de género e permite que cada pessoa explore a sua identidade de forma autêntica e sem restrições. Na vossa opinião, de que forma a educação artística e a dança podem ajudar a contrariar a sexualização precoce das meninas e a promover uma visão mais ampla e saudável da feminilidade? Cristina: Acredito que a sexualização precoce das meninas é um reflexo da pressão sociocultural e da busca pela excelência desde tenra idade. Essa cultura de destaque precoce, frequentemente alimentada pelas redes sociais, leva, muitas vezes, a uma perda da infância, onde fantasias infantis são substituídas por estereótipos adultos. É preocupante quando vemos crianças a serem incentivadas a parecer mais velhas. Gabriela: Concordo plenamente. A falta de respeito pelo mundo da infância e a pressão para crescerem rapidamente são fenómenos alarmantes. Muitas vezes, os pais não percebem os efeitos nocivos dessa cultura da precocidade. Carolina: Complementando, acredito que muito dessa sexualização precoce é resultado da naturalização de comportamentos e padrões que são prejudiciais. É necessário desconstruir esses padrões e promover uma visão mais saudável da feminilidade, onde as meninas possam crescer e desenvolver-se de forma autêntica e sem pressões externas. A educação artística e a dança oferecem um espaço seguro e inclusivo onde as crianças podem explorar a sua identidade e expressar-se livremente, sem a necessidade de se encaixarem em estereótipos prejudiciais. É importante naturalizar a relação com o corpo? Mercedes: Penso que essa questão envolve uma série de fatores. Uma das coisas que observo é a falta de contato físico e a influência preocupante da sexualização na forma como as pessoas veem o toque. No meu trabalho com dança contemporânea, o contato físico é essencial, mas, muitas vezes, não é naturalizado. Precisamos de entender que é saudável naturalizar o contato físico e saber expressar afeto, quando necessário. Gabriela: É uma questão complexa. Não devemos impor o toque, mas também não devemos rejeitá-lo. Precisamos mediar essa relação, respeitando os desejos de cada pessoa. Carolina: Concordo. Devemos aceitar o contato físico quando parte da pessoa, mas não devemos exigir ou impor nada. É uma questão de respeito mútuo. Gabriela: É importante entender que as diferentes culturas têm diferentes perspetivas sobre o toque e precisamos de ser sensíveis a isso. Além disso, devemos dar tempo às pessoas para se sentirem confortáveis e confiantes. No mundo atual, onde tudo é imediato, muitas vezes é difícil para os jovens entenderem a importância do tempo e da paciência. Mercedes: Concordo. É importante dar espaço aos alunos para expressarem as suas preferências e necessidades, em vez de lhes impor decisões. Devemos criar um ambiente onde o corpo se possa expressar livremente, especialmente através da improvisação na dança. Isso permite que os alunos percebam que a expressão corporal é natural e não necessariamente sexual. A improvisação na dança é uma forma poderosa de explorar a corporalidade e superar barreiras autoimpostas. A improvisação pode ser uma ferramenta poderosa para explorar questões de liberdade e autenticidade? Mercedes: Através da improvisação, podemos observar como as pessoas lidam com a liberdade, tanto em relação ao corpo como em relação à mente. Muitas vezes, percebemos que algumas pessoas não se sentem à vontade para usar o seu corpo e mente de forma livre e coordenada. Quando lhes peço para dançar pela primeira vez, é comum notar essa dificuldade e essa reflexão é bastante profunda. Gabriela: É interessante observar como a liberdade é um conceito complexo e, muitas vezes, mal compreendido. Os alunos podem sentir-se perdidos quando têm total liberdade, porque não sabem como lidar com ela. Na dança, isso torna-se evidente. A liberdade total pode ser vista como uma espécie de vazio, onde falta direção e propósito. Carolina: Gerir essa liberdade e tomar decisões é um desafio significativo. Muitas vezes, estamos habituados a esperar que outras pessoas decidam por nós, o que torna difícil assumir o controlo e fazer escolhas. Devemos reconhecer as nossas ferramentas e usá-las de forma criativa e autêntica. Mercedes: Concordo. Vivemos numa era em que o politicamente correto muitas vezes nos impede de arriscar e explorar novas possibilidades. No entanto, é importante lembrar que todas as grandes inovações surgiram através de tentativa e erro e é fundamental que tenhamos a coragem de experimentar e aprender com os nossos erros. Devemos ter a capacidade de abraçar as nossas diferenças e reconhecer as nossas limitações. São projetos como o Clementina que vêm mudar essa visão? Carolina: O Clementina é um projeto de quatro anos inspirado na figura de Clémentine Delait, uma mulher do século XIX conhecida por ter uma barba. A sua história é marcada pela luta contra os estereótipos e pela aceitação da sua própria identidade. Inicialmente, Clémentine tentava esconder a sua barba, mas ao perceber que havia outras pessoas com caraterísticas semelhantes, decidiu abraçá-la. Ela tornou-se uma figura icónica, administrando uma padaria e posteriormente um bar, conhecido como o Bar da Mulher Barbuda, onde as pessoas vinham não só pela comida, mas também para tirar fotos com ela. Clémentine assumiu a sua identidade sem medo, tornando-se um símbolo de autoaceitação e empoderamento. No contexto do Clementina, estamos a desenvolver uma série de peças de dança que exploram temas como o feminismo e estereótipos de género. Estamos a utilizar a arte como uma ferramenta para desafiar as normas sociais e promover uma visão mais inclusiva e diversificada da feminilidade. Essas peças não só celebram a coragem e a determinação de mulheres como Clémentine, mas também inspiram reflexão e diálogo sobre questões contemporâneas de género e identidade. Ao contar a história de Clémentine e abordar questões feministas através da dança, esperamos criar um impacto positivo e contribuir para a transformação das mentalidades na nossa sociedade. Na Arte Total cada aluno tem liberdade para pensar e descobrir o seu lugar no mundo? Mercedes: Na Arte Total pretendemos, sobretudo, que os alunos desenvolvam uma compreensão profunda de si mesmos e do mundo à sua volta. Gabriela: Uma das caraterísticas distintivas da abordagem da Arte Total é a ênfase na consciencialização do que significa ser humano. Os alunos são encorajados a explorar a sua identidade e expressão de forma autêntica, sem imposições externas. Mercedes: Na nossa escola, não impomos nada aos alunos. Valorizamos a importância do compromisso com a vida e a coragem de enfrentar os desafios. A nossa abordagem pedagógica incentiva os alunos a aprenderem através da experimentação e do erro. Cristina: Essa mentalidade de aceitar o erro e arriscar é fundamental para o processo de aprendizagem na Arte Total. Os alunos são encorajados a pensar criticamente e a explorar novas ideias, o que os capacita a expandir os seus horizontes e a voar em direção aos seus objetivos. Claro que, nem todos os alunos vão voar da mesma forma, mas a liberdade é o que permite que cada um encontre o seu próprio caminho. Carolina: É um processo enriquecedor para todos os envolvidos. Estamos constantemente a aprender uns com os outros e a descobrir coisas novas a cada dia. Essa troca de experiências e perspetivas contribui para um ambiente de aprendizagem dinâmico e inspirador. O que está a acontecer por cá nos últimos tempos? Carolina: Nos últimos meses, tivemos o privilégio de receber o bailarino Romulus Neagu para trabalhar com os nossos alunos e com os seus pais num projeto que será apresentado em breve. Foi uma experiência única, pois os pais tiveram a oportunidade de mergulhar no mundo dos seus filhos, partilhando histórias e experiências. Vamos ter também, em breve, uma variedade de oficinas e workshops de dança contemporânea e flamenco, dados aqui pela talentosa Mercedes. Gabriela: No âmbito do projeto Call, planeamos oferecer uma formação especializada para professores, procurando alinhar as suas práticas pedagógicas com os conceitos e abordagens utilizados na Arte Total. Cristina: Um dos destaques deste ano é o Projeto Clementina, liderado pela Carolina, do qual já falámos. Além disso, no âmbito do ciclo ‘Contrapeso’, vamos ter uma residência artística muito interessante dirigida por Pasquale Direse. Estamos também a organizar uma residência de uma semana em Tibães, onde os participantes criarão um vídeo de dança, com a colaboração de um cineasta. E não podemos esquecer a peça original ‘A Besta’, que será apresentada pela Mercedes no Mosteiro de Tibães, no dia 28 de abril. Morada: Mercado Cultural do Carandá, Rua Dr. Costa Júnior, 4715-127 Braga Contacto: 253 611 880 Facebook: ArteTotal – Educação Artística Instagram: @artetotalbraga www.artetotal.org “A dor menstrual é comum, mas não é normal” Spicy Bakery: “A melhor receita é o amor”
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