Psicologia/Saúde Infantil Desafios parentais: A falta de disponibilidade emocional dos nossos dias By Revista Spot | Fevereiro 1, 2024 Fevereiro 1, 2024 Share Tweet Share Pin Email Num mundo cada vez mais complexo e acelerado, a parentalidade enfrenta desafios significativos. De acordo com Paulo Coelho e Beatriz Moura, psicólogos da Infância e da Adolescência na mim – Clínica do Desenvolvimento, a disponibilidade dos pais, muitas vezes associada às pressões diárias e ao uso excessivo da tecnologia, surge como um desafio crítico nos dias de hoje. O conceito de ‘analfabetismo emocional’ ganha destaque, evidenciando a falta de compreensão e expressão adequada das emoções, uma lacuna crítica na sociedade contemporânea. Alterações ou défices em algum dos nossos sentidos acarretam dificuldades no processo de desenvolvimento? Paulo Coelho: A questão que levanta é bastante pertinente. Durante as sessões de preparação para o parto aqui na mim – Clínica do Desenvolvimento, incluíamos sempre uma sessão dedicada à estimulação do bebé no primeiro ano de vida, pois isso desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da criança. Os sentidos são a porta de entrada para a comunicação e o contacto com o mundo exterior. Ao deixar o ambiente intrauterino para um mundo repleto de experiências, é crucial que os bebés assimilem essas vivências de maneira completa, adequada e positiva. Desde os primeiros dias de vida, todos os estímulos oferecidos ao bebé devem considerar os sentidos. Ao oferecer algo para o bebé brincar, é importante pensar em ativar o máximo possível de órgãos sensoriais. Seja um banho suave, um peluche, um frasco ou mesmo ao passar delicadamente o creme na pele, é essencial ter em mente a sensibilidade da pele, um dos órgãos mais sensíveis desde o nascimento, crucial para a integração sensorial e compreensão do mundo. Na vinculação com o bebé, a abordagem continua centrada nos sentidos, incorporando o toque, o cheiro, o calor e a pele. Estes elementos não são apenas fundamentais do ponto de vista físico, mas têm também uma componente emocional significativa. Daí a importância do toque na interação com o bebé. Beatriz Moura: Nos primeiros dois anos de vida, o cérebro de uma criança atua como uma esponja, absorvendo uma variedade de informações provenientes dos sentidos. É a partir dessa receção de informação que o cérebro começa a formar a sua arquitetura. Em outras palavras, tudo o que a criança recebe na interação, no vínculo e na estimulação não apenas influencia as capacidades e habilidades, mas também molda a forma como o cérebro estabelece conexões. Embora a Neurociência da Infância não seja tão explorada, é essencial compreender que a arquitetura cerebral se desenvolve significativamente nos primeiros anos de vida. O papel crucial nesse processo reside nos adultos, especialmente na qualidade da relação estabelecida e nas memórias afetivas que são criadas na criança. A relação que os pais conseguem estabelecer com os seus filhos durante esses primeiros anos terá um impacto duradouro, moldando a estrutura cerebral para o resto da vida. Este entendimento destaca a importância do envolvimento ativo e positivo dos adultos no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças nos primeiros anos de vida. Como identificar sinais de possíveis problemas no desenvolvimento e quando procurar ajuda profissional? Beatriz Moura: Hoje em dia os pais têm um conhecimento mais aprofundado sobre as aquisições tardias, como os problemas de fala, desfralde, marcha e linguagem. Estamos constantemente alerta para esses marcos, que são fundamentais nas nossas avaliações e explorações. É crucial compreender que a comunicação e a interação não se limitam à simples capacidade de fala. Observar como a criança se relaciona com os pais e o mundo, percebendo se ela compreende as comunicações, se consegue expressar os seus sentimentos e que comportamentos utiliza para se expressar, é igualmente relevante. Ao avaliar o desenvolvimento infantil, é importante considerar diversas dimensões, incluindo aspetos emocionais muitas vezes subestimados. Problemas nessa área podem manifestar-se através de comportamentos específicos, como resistência ao contacto físico ou dificuldades na expressão emocional. Portanto, ao identificar sinais de possíveis desafios no desenvolvimento, os pais devem procurar ajuda profissional, seja através de consultas pediátricas, avaliações especializadas ou outras formas de intervenção que promovam um desenvolvimento saudável e equilibrado. Paulo Coelho: É fundamental compreender que os marcos de desenvolvimento desempenham um papel crucial, principalmente nas consultas pediátricas. No entanto, é preciso ter cautela ao lidar com informações provenientes de fóruns, já que muitas vezes essa informação é apresentada de forma excessivamente linear. “Cada criança é única, e não existem comportamentos fixos para cada idade. Embora existam desvios significativos, é importante aceitar que o que uma criança alcança aos 16 meses pode diferir daquilo que outra alcança aos 19 meses e essas variações são normais.” afirma Paulo Coelho Respeitar o ritmo individual de cada criança é uma abordagem sensata. Em caso de dúvida ou preocupação, aconselho a procurar a opinião de um especialista para avaliar se é necessário intervir imediatamente ou se a questão pode ser resolvida com o tempo. Além disso, destaco a importância do desenvolvimento emocional, que está intrinsecamente ligado à comunicação. Este aspeto, por vezes subestimado, desempenha um papel significativo no crescimento global da criança, afetando a forma como ela se relaciona com o mundo ao seu redor. Ao analisar o desenvolvimento infantil, é crucial considerar não apenas os marcos motores e linguísticos, mas também a dimensão emocional, que contribui para uma compreensão mais abrangente e holística do desenvolvimento da criança. Um diagnóstico precoce e uma terapêutica adequada podem ser a solução? Beatriz Moura: Se identificarmos alguma perturbação que esteja a interferir nas aquisições necessárias para o desenvolvimento da criança, a intervenção precoce é fundamental. Esta abordagem permite resolver rapidamente qualquer obstáculo, proporcionando um prognóstico mais positivo. Se a criança for abordada mais tarde, já terá um conjunto significativo de aquisições por realizar, o que pode resultar num impacto maior no seu desenvolvimento. Paulo Coelho: É fundamental encarar o desenvolvimento como uma base cumulativa, onde cada etapa é complementar à anterior. Atualmente, observamos um aumento significativo de crianças com alterações na motricidade e linguagem, muitas das quais relacionadas com o uso excessivo de novas tecnologias. Enquanto alguns pais estão hipervigilantes, outros desvalorizam ou negligenciam essas questões, muitas vezes por falta de tempo ou literacia na área do desenvolvimento infantil. O uso frequente de dispositivos eletrónicos pode levar a problemas de motricidade fina e linguagem. Algumas crianças, aos 5 anos, já apresentam dificuldades nessas áreas, o que pode afetar negativamente o seu desempenho escolar. A ideia errada de que esses problemas desaparecerão com a idade é prejudicial. É necessário investir tempo nas etapas fundamentais para garantir o sucesso na aprendizagem. Caso contrário, podem surgir desafios como o fracasso escolar, a frustração, a ansiedade e a desatenção. O diagnóstico precoce e a terapêutica adequada são ferramentas valiosas para mitigar esses impactos e promover um desenvolvimento saudável e equilibrado. Que estratégias podem desenvolver os pais para fomentar habilidades sociais e emocionais saudáveis nos seus filhos? Beatriz Moura: As habilidades sociais e emocionais são parte integrante do desenvolvimento e muitas delas evoluem naturalmente à medida que a criança vive a sua vida. Os pais não necessitam de estar constantemente numa postura de intervenção ativa. Há momentos que acontecem organicamente, permitindo que a criança desenvolva competências. No entanto, vivemos numa sociedade onde muitos adultos são emocionalmente ‘analfabetos’. É fundamental nomear as emoções no discurso quotidiano, expressando compreensão como “Compreendo que estás triste, zangado…”. Essa prática de nomeação e validação emocional é fundamental no desenvolvimento do alfabetismo emocional. Validar todas as emoções que a criança experimenta é essencial, evitando a invalidação que pode levar à repressão emocional, criando um vazio emocional. A normalização das emoções é crucial para a saúde emocional a longo prazo, especialmente numa era em que a positividade tóxica pode negar a validade de emoções como tristeza, raiva ou inveja. Paulo Coelho: Cada vez mais sinto algum desconforto com a necessidade de rotular as coisas. A parentalidade é algo normal e intuitivo. Estamos naturalmente programados para ser pais. As emoções foram fundamentais para a evolução da nossa espécie e para a nossa sobrevivência e não devem ser reprimidas. A normalização das emoções é crucial e, a partir desse ponto, tudo se desenrola de forma natural. Não vejo a necessidade de categorizar excessivamente as estratégias de parentalidade. Abordar as emoções de maneira natural é fundamental, evitando a criação de rótulos desnecessários. Por exemplo, quando se trata de emoções como a inveja, é essencial fazer a criança compreender que é uma emoção normal e que juntos podemos explorar soluções para lidar com ela. O foco deve ser permitir que as emoções fluam naturalmente, criando um ambiente saudável para a compreensão e gestão emocional desde o início da infância. De que forma os pais podem equilibrar o uso da tecnologia na vida dos seus filhos, proporcionando ao mesmo tempo uma educação equilibrada? Paulo Coelho: O equilíbrio no uso da tecnologia é essencial e a monitorização desempenha um papel crucial. É necessário estabelecer blocos de tempo. Paradoxalmente, deixar uma criança brincar no parque por 10 minutos pode ser considerado negligente, quando, na verdade, é uma questão de confiança na criança e nas bases que lhe foram proporcionadas para compreender os limites. No mundo digital, os perigos muitas vezes estão escondidos atrás dos ecrãs, tornando mais seguro permitir que as crianças brinquem na rua do que ficarem horas sem supervisão nos ecrãs. O desafio não é proibir, mas sim mediar, monitorizar o tempo e o conteúdo. Os pais devem estar presentes na vida das crianças, usando momentos como passeios, refeições e viagens para conversar e ouvir atentamente. Na gestão do conteúdo, aconselho a utilização de aplicações de controlo parental e o adiamento do acesso aos ecrãs o máximo possível. Beatriz Moura: Por que será que a gestão do tempo dedicado às novas tecnologias em casa não é tratada da mesma forma que o controlo daquilo que a criança ingere, por exemplo? Esta questão surge devido à rápida evolução tecnológica na sociedade e os adultos enfrentam desafios em estabelecer limites temporais adequados, até para eles próprios. A ausência de restrições temporais frequentemente resulta num consumo sem filtros. É essencial que os pais apliquem à tecnologia a mesma atenção dada a outros aspetos da vida dos filhos, estabelecendo limites de forma a garantir uma educação equilibrada. A Beatriz falou no ‘analfabetismo emocional’. É fundamental olharmos atentamente para as emoções das nossas crianças e jovens? Beatriz Moura: A atenção às emoções permite que os pais construam uma relação saudável e segura, criando um espaço onde as crianças se sintam confortáveis para partilhar o que sentem sem receio de invalidação. A questão dos sintomas, como ansiedade e perturbações alimentares e comportamentais, é complexa e multifacetada. Cada quadro clínico tem manifestações sintomáticas específicas, mas é essencial notar que, muitas vezes, há sinais subtis que os adultos podem identificar antes da expressão clara de sintomas. A capacidade do adulto perceber e interpretar esses sinais é crucial para a intervenção precoce e eficaz. Portanto, é imperativo que os pais estejam atentos às emoções e comportamentos das crianças, pois isso pode fornecer pistas importantes sobre o seu bem-estar emocional. Paulo Coelho: Muitas vezes, enfrentamos a falta de disponibilidade de tempo e espaço para observar as emoções das crianças. O ‘analfabetismo emocional’ dos pais contribui para a incompreensão das emoções dos filhos. Além disso, as exigências do mercado de trabalho, que consomem muito tempo dos pais, são uma realidade preocupante. No entanto, é importante destacar que, mesmo excluindo as pressões do trabalho, as novas tecnologias têm um papel significativo. O constante foco nos ecrãs afeta não apenas a qualidade do tempo passado em família, mas também a capacidade de os pais compreenderem as emoções dos filhos. Observamos famílias inteiras com dispositivos eletrónicos ligados durante as refeições, e a prática de ler ou conversar antes de dormir é substituída por episódios em tablets. Este cenário contribui para a ausência afetiva, onde a presença física dos pais não se traduz numa verdadeira ligação emocional. A tecnologia, quando usada de forma descontrolada, pode distanciar emocionalmente os membros da família. Portanto, é crucial encontrar um equilíbrio, reservando tempo de qualidade para a interação familiar e promovendo uma compreensão mais profunda das emoções das crianças. Beatriz Moura: Um dos maiores desafios nos dias de hoje é a carência de disponibilidade emocional para estabelecer uma ligação genuína com os filhos. Este problema está intrinsecamente ligado às pressões diárias que Paulo anteriormente mencionou. É crucial compreender que muitos adultos, incluindo pais, enfrentam situações de burnout e um cérebro exausto procura, naturalmente, resguardar-se. Essa condição é semelhante ao motor de um carro que, sem combustível, simplesmente não funciona. “A capacidade do adulto perceber e interpretar esses sinais é crucial para a intervenção precoce e eficaz.” diz Beatriz Moura A falta de disponibilidade emocional dos pais não é necessariamente por escolha, mas muitas vezes uma resposta à exaustão física e mental resultante dos desafios da vida atual. É importante reconhecer que, para cuidar eficazmente dos filhos, os pais também precisam de cuidar de si mesmos. Estratégias para lidar com o stress, promover o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e priorizar o bem-estar emocional podem contribuir para melhorar a disponibilidade emocional dos pais. Dessa forma, é possível estabelecer uma conexão mais profunda e significativa com os filhos, promovendo um ambiente emocionalmente enriquecedor para o seu desenvolvimento. Nem sempre as famílias estão capazes de dar a devida atenção aos sinais e sintomas. Quais os principais sinais de alerta de que algo não vai bem? Paulo Coelho: Se uma criança que, anteriormente, tinha um bom desempenho escolar começa a decair academicamente, se ocorrem alterações no padrão de sono, ou se a criança demonstra sinais de isolamento e queixas sobre alguém, são alertas que merecem atenção. Importa salientar que não se trata apenas de caraterísticas de personalidade, pois estas são contínuas e não causam desconforto. Quando observamos mudanças e alterações significativas que não estavam presentes anteriormente, isso pode ser um sinal de alerta. No entanto, é fundamental que os adultos estejam disponíveis para perceber e abordar esses sinais, proporcionando o apoio necessário às crianças que podem estar a passar por dificuldades emocionais ou comportamentais. Que estratégias podem adotar os pais para promover a saúde mental dos seus filhos? Beatriz Moura: Abordar a saúde mental não se trata apenas de lidar com patologias. Algumas crianças, mesmo sem diagnósticos, podem beneficiar de mudanças para se sentirem mais amparadas, seguras e acolhidas. Para além do já discutido, destaco a importância de focar na construção de vínculos relacionais seguros. Esta base é essencial para a futura adolescência, onde o distanciamento emocional é natural. Se conseguirmos estabelecer vínculos seguros durante a infância, estaremos a contribuir significativamente para a saúde mental futura dos nossos filhos. Paulo Coelho: Ao abordar estratégias para promover a saúde mental, é necessário evitar a tentação de receituários universais. Não existe uma fórmula única que se aplique a todos, pois há variáveis como contextos de vida, relações conjugais, personalidades e objetivos de vida. A ênfase deve ser colocada nos alicerces da arquitetura emocional, como o estabelecimento de vínculos, a abertura à comunicação e o contacto físico desde o nascimento. O desenvolvimento saudável depende desses alicerces fundamentais e é importante não se perder em fórmulas simplistas que confundem os pais. A disseminação de informações na sociedade, frequentemente desprovida de filtros, preocupa-me, e expresso a minha apreensão sobre os impactos negativos das fórmulas simplistas de sucesso e felicidade, especialmente na saúde mental dos adultos. A promoção da literacia é fundamental? As ações que a realizam nas escolas são disso exemplo? Paulo Coelho: Valorizamos a articulação com a comunidade, realizando ações de formação preventiva. Ao dar palestras em instituições, focamo-nos não apenas na parte remediativa, mas também na prevenção. Consideramos essencial investir em iniciativas que promovam a literacia e contribuam para uma abordagem preventiva nas comunidades onde atuamos. Beatriz Moura: A promoção da literacia é um dos valores fundamentais da mim – Clínica do Desenvolvimento. Este trabalho contínuo de Psicoeducação e Alfabetização é crucial. Garantimos que a nossa equipa multidisciplinar se atualiza regularmente, a formação é fundamental para nós. Na clínica mim, especializamo-nos em áreas específicas da Psicologia, havendo frequentemente uma transição interna de casos entre colegas para assegurar que cada pessoa é atendida por um especialista com a formação mais adequada às suas necessidades. Esta abordagem procura garantir que proporcionamos a melhor assistência possível, mantendo-nos atualizados nas áreas em que atuamos. Braga Rua António Cândido Pinto, nº57, 4715-400 Fraião 253 615 239 (Chamada para a rede fixa nacional) 912 283 666 (Chamada para a rede móvel nacional) Guimarães Rua Dr. Francisco Sá Carneiro, nº83, 4810-008 Costa 253 781 125 (Chamada para a rede fixa nacional) 914 724 484 (Chamada para a rede móvel nacional) Facebook: Mim Clínica Do Desenvolvimento Instagram: @mim.clinica www.clinicamim.pt O regresso da Benamor à sua cidade A designer de sobrancelhas que criou um mundo imaginário
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