Psicologia “O cérebro digital vive de swipes e dopamina, mas o corpo pede pausa” By Revista Spot | Novembro 3, 2025 Novembro 4, 2025 Share Tweet Share Pin Email Vivemos na era da dopamina fácil: notificações, likes e estímulos constantes mantêm o cérebro em permanente estado de alerta. O resultado? Foco fragmentado, sono leve, ansiedade e uma sensação contínua de cansaço. Ana Peixoto Magalhães, psicóloga e neuropsicóloga clínica, explora precisamente essa fronteira entre o cérebro, a emoção e a consciência e o impacto do estilo de vida moderno na saúde mental. Explica que o cérebro é “económico” por natureza e opera em piloto automático para poupar energia, mas isso tem um preço: deixamos de sentir, de estar presentes, de viver com consciência. As neurociências revelam que a relação e o toque são tão reguladores como o sono ou a respiração. “A verdadeira saúde mental começa na capacidade de estar presente, sentir e integrar. Enquanto o mundo se rende à inteligência artificial, a inteligência emocional continua a ser o maior ato de humanismo”, afirma. O que é que a levou a explorar a interseção entre o cérebro, a emoção e a consciência e de que forma esse percurso moldou a profissional que é hoje? A minha curiosidade e interesse pelas ciências humanas, e na psicoterapia em particular, acompanha-me desde cedo. Perceber o impacto positivo que a nossa prática pode ter, na saúde e bem-estar das pessoas, traz-me responsabilidade e em simultâneo, uma enorme realização. No primeiro contacto com as neurociências, senti que foi um caminho sem volta, na perspetiva do conhecimento. A fusão entre a mente e o corpo é um facto essencial, tornando-se impossível pensar na mente como algo separado do cérebro, e no cérebro como uma máquina isolada do mundo interno e emocional. Esta visão integrada, permite-nos perceber como a experiência molda a estrutura do cérebro, e ainda compreender a dimensão subjetiva da experiência humana. Falamos mais do que nunca sobre saúde mental, mas os índices de ansiedade e depressão continuam a crescer. O que é que ainda nos está a escapar nesta busca pelo equilíbrio? Segundo a Organização Mundial de Saúde (2021), 14% da população global, vive com algum tipo de doença mental, com principal destaque para quadros de ansiedade e depressão. A incidência tem aumentado de forma mais rápida, quando comparada com o crescimento da população mundial. As previsões continuam a não ser animadoras, e os motivos podem ser vários. Numa era marcada pela aceleração do ritmo de vida e aumento da informação, corremos o risco de não utilizar o conhecimento a nosso favor, para sabermos parar e estarmos presentes. Apesar da hiperconexão digital, as pessoas sentem-se cada vez mais isoladas emocionalmente, carecendo de contacto real, toque e do ritmo humano. A nossa essência mamífera, recorda-nos a necessidade de co-regulação emocional, enquanto vínculo que sustenta a segurança fisiológica e sobrevivência em contexto de grupo. Aqui, as neurociências são fundamentais para demonstrar a importância da relação e da conexão. A visão integrada mente-corpo mostra-nos como as experiências quotidianas moldam as estruturas cerebrais e, desse modo, contribuem para a compreensão subjetiva da experiência humana. O que é que a neuropsicologia nos revela sobre o impacto do piloto automático e do cansaço cognitivo na nossa capacidade de foco, memória e autorregulação emocional? O nosso cérebro é “económico” por natureza: procura constantemente o equilíbrio entre alcançar os objetivos do dia a dia e despender o mínimo de energia possível. É por isso que tende a funcionar em “piloto automático”, repetindo hábitos e padrões que, em algum momento, foram úteis, mas que muitas vezes deixam de lado o papel essencial das emoções. No fundo, permite-nos ser eficazes nas nossas rotinas cada vez mais exigentes (modo de fazer), mas correndo um grande risco de deixarmos de viver a vida na sua plenitude (modo de ser). Quando estamos em piloto automático, não enriquecemos o momento presente, onde a vida realmente acontece, com a nossa atenção, consciência e juízo crítico. Isto retira-nos a capacidade de sentir e integrar esta informação no nosso sistema, e consequentemente, uma melhor compreensão de quem nós somos e do que precisamos. Quando nos desconectamos do nosso corpo, mente e até do mundo que nos rodeia, corremos o risco de perder o sentido da vida, a sensação do prazer e da autenticidade, e por último não atendermos aos sinais de alerta. “O acesso, na ponta dos dedos, ao entretenimento digital acarreta inúmeros riscos psicológicos e cognitivos” Como é que emoções reprimidas podem manifestar-se em sintomas físicos? O ser humano não existe sem emoção. As emoções são processos neurobiológicos que garantem a nossa sobrevivência e orientam a forma como nos relacionamos connosco e com os outros. Estar em contacto com a experiência interna, sentir, nomear e compreender o que acontece no corpo, é fundamental não só para a vida, mas também para o bem-estar e para a integração do self. O cérebro processa e integra as emoções através de um diálogo constante entre o tronco encefálico, o sistema límbico e o córtex pré-frontal. Esta comunicação entre as áreas mais primitivas e as mais recentes do cérebro permite regular o corpo, atribuir significado à experiência e mobilizar respostas adequadas ao contexto. Quando uma emoção emerge, o corpo responde primeiro: o coração acelera, o estômago contrai-se, o peito expande-se ou fecha-se – sinais somáticos que traduzem a linguagem do sistema nervoso e que nos convidam à escuta. A compreensão destas respostas, permite reconhecer que o corpo é o primeiro tradutor da emoção. Ao ligarmo-nos a estas sensações, abrimos caminho à autorregulação, à coerência interna e à capacidade de agir de forma consciente, em vez de reagir automaticamente. O processo terapêutico, permite assim oferecer uma relação corregulada, segura, em que o sistema do cliente possa sair de um modo de sobrevivência e reentrar num estado de segurança neurobiológica, pois só assim é que é possível aceder à experiência implícita, não para ser revivida, mas para ser integrada. Cada vez mais se fala em literacia emocional. Compreender o que sentimos influencia as nossas decisões? A disseminação de informação sobre saúde mental é uma realidade, com o potencial de salvar vidas, mas que exige estarmos atentos à origem e qualidade dessas fontes. Os nossos pacientes, chegam cada vez mais informados, mas também em maior número, o que revela uma dissonância, explicável pelo aumento do conhecimento sobre sinais de alerta e, simultaneamente, pelo crescimento e impacto da doença mental na vida das pessoas. O paradigma atual afasta-se de uma visão patologizante da doença mental, mas é essencial não negligenciar sintomas que comprometem a funcionalidade das pessoas. O nosso papel consiste em promover a desaceleração e a reconexão com o corpo e a experiência interna, dando espaço a um autoconhecimento que favorece a regulação emocional. Assim, compreendem-se os medos e motivações que orientam o comportamento e adotam-se respostas que promovem maior segurança, recorrendo à nossa presença e calma, acolher o que sentimos de forma compassiva e curiosa, e criando pequenas experiências que favoreçam a reconexão entre corpo e mente, mesmo em contextos exigentes. Há uma frase, que eu aprecio muito, que nos diz: “When you are losing your mind, find your body” e este deve ser o nosso mote. Vivemos numa era dopaminérgica, em que o cérebro é constantemente estimulado por notificações, likes e recompensas imediatas. Que impacto tem esta realidade especialmente nas gerações mais jovens? Numa sociedade, em que o digital impera, o nosso cérebro adapta-se para sobreviver. O cérebro digital recorre aos swipes, likes e partilhas como forma de ter picos de sensações, atenção, validação e distração. Estes comportamentos aditivos, intensificados pelos algoritmos, estão a interferir no nosso funcionamento, nomeadamente do nosso cérebro. Os circuitos dopaminérgicos (recompensa, motivação e aprendizagem) estão a ser reforçados, criando hábitos digitais, que nos comparam e isolam, fazendo aumentar a ansiedade e depressão. O acesso na “ponta dos dedos” ao entretenimento digital provoca inúmeros riscos psicológicos e cognitivos. Uma exposição constante a estímulos rápidos e prazerosos, dificulta a capacidade de estarmos sozinhos com os nossos pensamentos, e de regularmos as emoções. Este padrão leva à necessidade de gratificação instantânea e à procura de estímulos cada vez mais intensos, para obter o mesmo prazer, devido às flutuações nos níveis de dopamina. Além disso, a atenção e concentração são prejudicadas pela constante interrupção das tarefas e pela fragmentação do pensamento, comprometendo a memória e processos criativos. A interação social e a empatia tendem a diminuir, enquanto o cansaço mental aumenta, traduzindo-se em irritabilidade e procrastinação. Por fim, uma exposição passiva e continuada a conteúdos simplificados reduz a capacidade de reflexão e pensamento crítico. Este modus operandi, mimetiza de alguma forma, ainda que com origens distintas, os sintomas neurobiológicos da Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA). Sabemos o nível de disfunção associado a este quadro e o impacto prejudicial que tem na vida das pessoas. O mais inquietante de tudo isto, é estarmos a par das consequências e da deterioração cognitiva, e ainda assim não haver espaço e urgência para mudança. “Cada vez dormimos menos e pior, e estamos a falar de um processo fisiológico de extrema importância para o equilíbrio físico e mental” O sono é um dos pilares mais negligenciados da saúde mental. De que forma a falta de descanso afeta a consolidação da memória, o processamento emocional e a clareza cognitiva? Num mundo cada vez mais exigente, no que diz respeito à produtividade e eficiência nos diferentes contextos de vida, o sono tem vindo a ser negligenciado. Cada vez dormimos menos e pior, e estamos a falar de um processo fisiológico de extrema necessidade, para o equilíbrio físico e mental, responsável por restaurar a energia e regular funções importantes do nosso corpo. Quanto às funções cerebrais, há um impacto acentuado na capacidade de concentração e memória, e ainda, um aumento da produção de cortisol, que traz desafios acrescidos para a experiência emocional interna. O aumento das perturbações do sono e o seu impacto na saúde mental (p. ex., ansiedade, alterações do humor) são notórios, demonstrando a importância de uma boa higiene do sono. Como é que esta cultura de desempenho está a reconfigurar a nossa mente? Vivemos num mundo que ambiciona um destino inalcançável: a perfeição. O mote do “mais e melhor” torna-se um paradoxo, quando reconhecemos que somos seres imperfeitos, com o direito de parar, errar e simplesmente ser. Caminhamos, muitas vezes, com o objetivo de sermos melhor do que fomos ontem e, por vezes, com a necessidade de sermos melhores do que os outros, num mundo em que impera a competição. É fundamental compreender que o que fazemos, não define quem somos. Quando associamos o nosso valor às nossas conquistas ou falhas, corremos o risco de transformar os erros em identidade e de viver em permanente vulnerabilidade (“eu sou a falha)”. A autoestima nasce, em grande parte, das crenças que temos sobre a nossa suficiência e competência. Mas a nossa verdadeira essência não está no que produzimos, mas sim, em quem somos quando deixamos de fazer, quando apenas existimos. Quando libertamos a mente das expectativas, das exigências e do controlo excessivo, permitimos que os circuitos da criatividade, da presença e da autorregulação floresçam, e é aí que surge a verdadeira liberdade. Num tempo de dispersão digital, o mindfulness tornou-se quase uma ferramenta de sobrevivência. O que é que a neuropsicologia nos revela sobre o impacto real da atenção plena na estrutura e função cerebral? O mindfulness, é um estado de consciência que resulta da atenção, no momento presente e à nossa experiência interna, com curiosidade e sem julgamento. Esta prática tem demonstrado um impacto tanto na saúde mental (p. ex., redução de ansiedade e depressão) como na saúde física (p. ex., lidar com dor). Os estudos demonstram que ocorrem mudanças estruturais no cérebro ao nível neural, nomeadamente um aumento da espessura cortical, nas áreas responsáveis pela regulação emocional e pelo processamento sensorial. Além disso, verifica-se uma melhoria do funcionamento global do cérebro, favorecida pelo fortalecimento das conexões neurais e pelo aumento da atividade dos sistemas de neurotransmissores. Por outro lado, as estruturas relacionadas com a experiência de stress, diminuem o seu volume. As terapias de terceira geração colocam a compaixão no centro do processo terapêutico. Que transformações ocorrem quando deixamos de lutar contra nós próprios e começamos a olhar-nos com empatia? Sabemos que o sofrimento humano é uma inevitabilidade, o que pode ser diferenciador é a forma como estamos com este sofrimento. Aqui vejo-me na necessidade de diferenciar a empatia da compaixão. Se a empatia envolve um sentir com o outro, a compaixão vai mais além, há um compromisso no alívio deste mesmo sofrimento. A compaixão enquanto mecanismo de regulação emocional, promove alterações no funcionamento cerebral e pode ter um impacto transformador, tanto a nível individual como comunitário. Quando o indivíduo recorre ao julgamento ou ao evitamento como estratégias para lidar com o sofrimento, ocorre um aumento na produção de cortisol, que pode favorecer o aparecimento de sintomas ansiosos. Em contraste, a adoção de uma postura compassiva, caraterizada por um espaço interno de segurança, aceitação e bondade, permite acolher e aprender com a vulnerabilidade, contribuindo para o bem-estar físico e psicológico. “Apesar da hiperconexão digital, as pessoas sentem-se cada vez mais isoladas emocionalmente” Num mundo onde a inteligência artificial replica o raciocínio humano, talvez o que nos diferencie seja justamente a emoção. Que papel terão as emoções, a consciência e a empatia na psicologia do futuro? Reconheço a pertinência e o potencial da inteligência artificial, ao serviço da humanidade, como algo que pode acrescentar, mas nunca substituir. Acredito que a inteligência artificial possa vir a mimetizar, ou até mesmo superar, muitas funções humanas (p. ex., memória, reconhecimento de padrões, capacidades linguísticas…), mas, por outro lado, não me consigo render à ideia da sobreposição da “máquina” à complexidade da existência humana. O humano tem uma biologia e uma fisiologia que se traduzem em sensações, emoções, desejos e necessidades. Esta consciência no seu todo, é o que nos permite sentir o corpo, o mundo e a forma como nos relacionamos com ele. Não existimos apenas, sentimos a nossa existência. Apesar da nossa inesgotável capacidade de adaptação, estamos a caminhar no sentido da desumanização e é urgente inverter este rumo. A sociedade precisa de mudar: parar, escutar-se e observar-se com mais atenção. É essencial reconectar-se com a própria essência, com as verdadeiras necessidades humanas e com o meio natural que nos sustenta. No campo da psicoterapia, a investigação contemporânea é clara, sabemos que eficácia do processo terapêutico está na relação. É na qualidade do vínculo, na presença genuína e na sintonia relacional que ocorre a mudança. Elementos como a empatia, presença genuína, sensibilidade às microexpressões aos movimentos subtis do outro, o acolhimento e o conforto emocional, constituem o coração da terapia, e são precisamente aquilo que nenhuma máquina poderá reproduzir. A inteligência artificial pode oferecer contributos valiosos no plano racional, organizar informação, apoiar a tomada de decisão, ou facilitar o acesso ao conhecimento. No entanto, o que transforma o ser humano não é o raciocínio, mas a experiência relacional vivida. A IA pode compreender a empatia como conceito, mas não a sentir; pode descrever a regulação emocional, mas não participar no ritmo partilhado da co-regulação. A relação terapêutica ativa mecanismos neurobiológicos de segurança e de co-regulação, promovendo integração entre corpo, emoção e pensamento. É nesse espaço relacional, onde o cliente se sente visto e compreendido, que o sistema nervoso se reorganiza e o self pode emergir de forma mais livre. Instagram: @psicologia.anapeixotomagalhaes Consultas: Braga (Consultório Marta Cerqueira Alves), Porto (Graus de Liberdade) e Vila Nova de Gaia (Filipa Rouxinol Psicologia Infantil e da Adolescência) “A osteopatia acompanha fases determinantes da vida: do bebé que se adapta após o parto, ao adulto marcado pelo sedentarismo e pelo stress” “Dores persistentes, sono agitado, falta de energia e alterações de humor são sinais claros de que o corpo está a pedir pausa”
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